segunda-feira, abril 26, 2021

O 25 DE ABRIL E A HISTÓRIA

«Se alguém quisesse acusar os portugueses de cobardes, destituídos de dignidade ou de qualquer forma de brio, de inconscientes e de rufias, encontraria um bom argumento nos acontecimentos desencadeados pelo 25 de Abril.
Na perspectiva de então, havia dois problemas principais a resolver com urgência. Eram eles a descolonização e a liquidação do antigo regime. Quanto à descolonização, havia trunfos para a realizar em boa ordem e com vantagem para ambas as partes: o Exército Português não fora batido em campo de batalha; não havia ódio generalizado das populações nativas contra os colonos; os chefes dos movimentos de guerrilha eram em grande parte homens de cultura portuguesa; havia uma doutrina, a exposta no livro «Portugal e o Futuro», do general Spínola, que tivera a aceitação nacional, e poderia servir de ponto de partida para uma base maleável de negociações. As possibilidades eram ou um acordo entre as duas partes, ou, no caso de este não se concretizar, uma retirada em boa ordem, isto é, escalonada, ordenada e honrosa.
Todavia, o acordo não se realizou, e retirada não houve, mas sim uma debandada em pânico, um salve-se-quem-puder. Os militares portugueses, sem nenhum motivo para isso, fugiram como pardais, largando armas e calçado, abandonando os portugueses e africanos que confiavam neles. Foi a maior vergonha de que há memória desde Alcácer Quibir.
Pelo que agora se conhece, este comportamento inesquecível e inqualificável deve-se a duas causas. Uma foi que o PCP, infiltrado no Exército, não estava interessado num acordo, nem numa retirada em ordem, mas num colapso imediato, que fizesse cair esta parte da África na zona soviética. O essencial era não dar tempo de resposta às potências ocidentais. De facto, o que aconteceu nas antigas colónias portuguesas insere-se na estratégia africana da URSS, como os acontecimentos subsequentes vieram mostrar.
Outra causa foi a desintegração da hierarquia militar a que a insurreição dos capitães deu início e que o MFA explorou ao máximo, quer por cálculo partidário, quer por demagogia, para recrutar adeptos no interior das Forças Armadas. Era natural que os capitães quisessem voltar depressa para casa. Os agentes do MFA exploraram e deram cobertura ideológica a esse instinto das tripas, justificaram honrosamente a cobardia que se lhe seguiu. Um bando de lebres espantadas recebeu o nome respeitável de «revolucionários».
E nisso foram ajudados por homens políticos altamente responsáveis, que lançaram palavras de ordem de capitulação e desmobilização, num momento em que era indispensável manter a coesão e o moral do exército, para que a retirada em ordem ou o acordo fossem possíveis. A operação militar mais difícil é a retirada; exige, em grau elevadíssimo, o moral da tropa. Neste caso, a tropa foi atraiçoada pelo seu próprio comando e por um certo número de políticos inconscientes ou fanáticos, e em qualquer caso destituídos de sentimento nacional. Não é ao soldadinho que se deve imputar esta fuga vergonhosa, mas aos que desorganizaram, conscientemente, a cadeia de comando, aos que lançaram palavras de ordem que, nas circunstâncias do momento, eram puramente criminosas.
Isto quanto à descolonização, que, na realidade, não houve.
O outro problema era o da liquidação do regime deposto. Os políticos aceitaram e aplaudiram a insurreição dos capitães, que vinha derrubar um governo, que, segundo eles, era um pântano de corrupção e que se mantinha graças ao terror policial: impunha-se, portanto, fazer o seu julgamento, determinar as responsabilidades, discriminar entre o são e o podre, para que a nação pudesse começar uma vida nova. Julgamento dentro das normas justas, segundo um critério rigoroso e valores definidos.
Quanto aos escândalos da corrupção, de que tanto se falava, o julgamento simplesmente não foi feito. O povo português ficou sem saber se as acusações que se faziam nos comícios e nos jornais correspondiam a factos ou eram simplesmente atoardas. O princípio da corrupção não foi responsavelmente denunciado, nem na consciência pública se instituiu o seu repúdio. Não admira por isso que alguns homens políticos se sentissem encorajados a seguir pelo mesmo caminho, como se a corrupção impune tivesse tido a consagração oficial. Em qualquer caso, já hoje não é possível fazer a condenação dos escândalos do antigo regime, porque outros talvez piores os vieram desculpar.
Quanto ao terror policial, estabeleceu-se uma confusão total. Durante longos meses, esperou-se uma lei que permitisse levar a tribunal a PIDE-DGS. Ela chegou, enfim, quando uma parte dos eventuais acusados tinha desaparecido e estabelecia um número surpreendentemente longo de atenuantes, que se aplicavam praticamente a todos os casos. A maior parte dos julgados saiu em liberdade. O público não chegou a saber, claramente, as responsabilidades que cabiam a cada um. Nem os acusadores ficaram livres da suspeita de conluio com os acusados, antes e depois do 25 de Abril.
Havia, também, um malefício imputado ao antigo regímen, que era o dos crimes de guerra, cometidos nas operações militares do Ultramar. Sobre isto, lançou-se um véu de esquecimento. As Forças Armadas Portuguesas foram alvo de suspeitas que ninguém quis esclarecer e que, por isso, se transformaram em pensamentos recalcados.
Em resumo, não se fez a liquidação do antigo regímen, como não se fez a descolonização. Uns homens substituíram outros, quando os mesmos não substituíram os mesmos; a um regímen monopartidário substituiu-se um regímen pluripartidário. Mas não se estabeleceu uma fronteira entre o passado e o presente. Os nossos homens públicos contentaram-se com uma figura de retórica: «a longa noite fascista».
Com estes começos e fundamentos, falta ao regime que nasceu do 25 de Abril um mínimo de credibilidade moral. A cobardia, a traição, a irresponsabilidade, a confusão, foram as taras que presidiram ao seu parto e, com esses fundamentos, nada é possível edificar. O actual estado de coisas, em Portugal, nasceu podre nas suas raízes. Herdou todos os podres da anterior, mais a vergonha da deserção.
E, com este começo, tudo foi possível depois, como num exército em debandada: vieram as passagens administrativas, sob capa de democratização do ensino; vieram «saneamentos» oportunistas e iníquos, a substituir o julgamento das responsabilidades; vieram os bandos militares, resultado da traição do comando, no campo das operações; vieram os contrabandistas confessos e os falsificadores de moeda em lugares de confiança política ou administrativa; veio o compadrio quase declarado, nos partidos e no Governo; veio o controlo da Imprensa e da Radiotelevisão, pelo Governo e pelos partidos, depois de se ter declarado a abolição da censura; veio a impossibilidade de se distinguir o interesse geral dos interesses dos grupos de pressão, chamados partidos, a impossibilidade de esclarecer um critério que joeirasse os patriotas e os oportunistas, a verdade e a mentira; veio o considerar-se o endividamento como um meio «honesto» de viver. Os cravos do 25 de Abril, que muitos, candidamente, tomaram por símbolo de uma primavera, fanaram-se sobre um monte de esterco.
Ao contrário das esperanças de alguns, não se começou vida nova, mas rasgou-se um véu que encobre uma realidade insuportável. Para começar, escreveu-se na nossa história uma página ignominiosa de cobardia e irresponsabilidade, página que, se não for resgatada, anula, por si só, todo o heroísmo e altura moral que possa ter havido noutros momentos da nossa história e que nos classifica como um bando de rufias indignos do nome de nação. Está escrita e não pode ser arrancada do livro.
É preciso lê-la com lágrimas de raiva e tirar dela as conclusões, por mais que nos custe. Começa por aí o nosso resgate. Portugal está hipotecado por esse débito moral, enquanto não demonstrar que não é aquilo que o 25 de Abril revelou. As nossas dificuldades presentes, que vão agravar-se no futuro próximo, merecemo-las, moralmente.
Mas elas são uma prova e uma oportunidade. Se formos capazes do sacrifício necessário para as superar, então poderemos considerar-nos desipotecados e dignos do nome de povo livre e de nação independente.

(ANTÓNIO JOSÉ SARAIVA, in Diário de Notícias, 26-01-1979)



A EUROPA DE HOJE

"A Europa Ocidental viveu quase mil anos sob regimes absolutistas. Com reis sábios e reis ignorantes, com reis prudentes e reis audaciosos, com reis usurários e reis perdulários, com reis aconselhados e reis mal aconselhados.

Em quase dez séculos de regime absoluto esses reis bons e maus fizeram a Europa. A Europa dos humanistas, das catedrais, da ordem jurídica, dos grandes pintores, escultores e escritores, a Europa dos navegadores, porta-voz do facho de uma civilização que transportou a todos os outros continentes.
As democracias receberam em herança uma Europa rica, poderosa e exuberante de vida. Centro incontestado do Mundo, impunha-se tanto pela força das armas como pelo brilho artístico, valor científico das suas elites e pela opulência das suas instituições financeiras.
Em pouco mais de um século a Europa das grandes potências militares do Mundo tornou-se uma terra indefesa, dominada a Leste pelos russos e protegida a Oeste pelos americanos. A sua segurança – a sua pretensa segurança – assenta na força das tropas estrangeiras que estão acantonadas no seu território. As decisões políticas à escala mundial são tomadas sem a sua audiência. O seu próprio destino depende do jogo de interesses e da boa vontade de potências de outros continentes.
Sem dúvida os bancos centrais europeus são os grandes detentores do ouro monetário internacional. Mas o ouro deixou de ser escalão monetário: foi substituído pelo dólar, símbolo do poder económico e financeiro norte-americano e da subordinação europeia às decisões tomadas do lado de lá do Atlântico.
Nenhuma das grandes potências mundiais é europeia. O nosso velho continente, que nos fins da II Guerra Mundial dominava quase sessenta milhões de quilómetros quadrados com mil milhões de habitantes, está reduzido à “pequena península da Ásia” de Paul Valéry, com mais ou menos quatrocentos milhões de habitantes que parecem ter perdido a coragem física para se baterem em defesa dos seus direitos e liberdades.
A Europa de hoje lembra a Grécia de há dois mil anos. Um pequeno país vencido e diminuído que se emocionava com o advento do poder, em Roma, dos Césares a que devia obediência."


Valdez dos Santos, in Jornal Português de Economia & Finanças

domingo, abril 25, 2021

O NOSSO PRIMEIRO OBJECTIVO: VENCER ABRIL

 Longe vão já os tempos da vitoriosa insubordinação do 25 de Abril. Pelo caminho ficaram milhões de mortos. Atolados nesta lama de sangue os gloriosos militares vencedores ainda agora blasonam o seu glorioso feito. É a estupidez a tentar justificar a covardia. É tempo de fazer as contas e de avaliar os desgostos.

O orgulho maior do abrilismo é a “descolonização”. Fartos de andarem com a casa às costas, de serem cornos e de se passearem pelos quatro cantos do mundo a defenderem Portugal, os abrilinos resolveram acabar com a guerra para regressarem a penates. Aproveitando-se da fraqueza de Marcelo Caetano, da torpeza de Costa Gomes e da estupidez vaidosa de Spínola organizaram-se celularmente. Numa manhã chuviscosa tomaram conta do poder. Entregaram-no a um epiléptico compensado, coronel de engenharia, chamado Vasco Gonçalves e, num ápice, desfizeram uma obra de cinco séculos. Diz-se que o medo guarda a vinha. Neste caso arrancou-a e destruiu-a. De Julho de 1974 a Novembro de 1975, Portugal viu-se amputado do melhor do seu território histórico do Ultramar, e completamente arruinado na Metrópole. Um misto de loucura furiosa e de ignorância política emporcalhou repulsivamente toda uma gesta heróica, antiga, moderna e contemporânea. É difícil encontrar outro povo que, em tão pouco tempo, tenha sido de tal forma enxovalhado e menorizado.

Tratou-se de libertar povos africanos da férula do colonialismo português. Houve quem recebesse dinheiro por isso. Entregaram-se milhões de pessoas à tirania feroz de uns quantos reizetes negros que, divididos por infindáveis guerras tribais, se comeram uns aos outros. O que se passou e se passa em Angola e Moçambique é uma das grandes tragédias do nosso tempo. Conscientemente planeada! Para que se pudessem explorar lucrativamente e sem entraves políticos as matérias primas das duas antigas províncias portuguesas, tornava-se necessário criar vazios de poder, com governos fantoches, ineptos e corruptos a facilitarem o desenvolvimento do processo. Tornadas à selva as populações morreriam de inanição, vítimas da guerra endémica e larvar. Regressava a África à configuração geopolítica do século XV.

Como se tal não bastasse inverteu-se deliberadamente o sentido histórico da nossa política externa, tradicionalmente virada para o Mar, para a revirar para a Europa. Perdeu-se capacidade de defesa — e perdeu-se soberania. Portugal é hoje apenas uma província da Europa inteiramente dependente dela por intercessão da Espanha. Numa situação de guerra continental ficaremos bloqueados. Perdido o Ultramar, integrados nas Comunidades, limitados aos interesses estratégicos de Bruxelas, deixámos de ser um Estado independente, sem agricultura que preste, sem indústria que nos valha, sem nada que nos defenda.

Segundo António José Saraiva o 25 de Abril foi a maior derrota de Portugal depois de Alcácer Quibir. Tal como em 1578, perdemo-nos em África e por causa de África, com a diferença moral e catastrófica de não termos lá ficado mortos, mas termos morrido na fuga, um exército inteiro retirando em debandada coberto de opróbio e borrado de medo.

Quarenta e sete anos volvidos aguardamos aviltantemente o fim — a não ser que, num momento de revolta e de vergonha consigamos libertarmo-nos das quadrilhas que nos sugam o sangue e a alma. Discutir tudo o que está, desde as fronteiras geográficas às formas políticas do sistema, é o que nos sobra de esperança. A todo o instante é possível recomeçar Portugal, não cedendo um milímetro daquilo que sempre foi português.

Vencer o 25 de Abril continua a ser o nosso primeiro objectivo.


(artigo de opinião, de Brandão Ferreira, em ALTERNATIVA PORTUGAL

sábado, abril 17, 2021

PÉROLAS DE CULTURA


No longínquo ano de 2004 o boletim "Participacção", do Bloco de Esquerda, publicou um artigo de António Inácio Andrioli onde se podia ler:
"O problema, do ponto de vista do conjunto dos trabalhadores, é que uma maior produção de mercadorias por parte dos actuais empregados, tende a aumentar os desempregados, contribuindo para uma maior oferta da mercadoria trabalho, o que por sua vez, tende a diminuir o seu valor no mercado".
Por outras palavras, a tese defendida significa que se aumentar a produtividade aumentará o desemprego, uma vez que poucos conseguirão produzir o que poderia ser feito por muitos, e então havendo mais desempregados o preço da mão de obra desce, logo os que tiverem emprego também ganharão cada vez menos, coexistindo elevado nível de desemprego e baixos salários...
A proposta implícita, fácil de entender, contrapunha-se aos que apelavam para a necessidade de ganhos de produtividade: quem tiver emprego deve trabalhar o menos que puder, para gerar a necessidade de mais empregados, diminuir a quantidade de mão de obra disponível no mercado de trabalho, consequentemente fazer subir o preço do factor trabalho, e então ficar toda a gente a ganhar, com muito mais emprego e muito mais bem pago...
Em termos simples, a solução dos problemas económicos e sociais está em trabalhar poucochinho.
(E não se coloca a hipótese de com essa estratégia em breve prazo as empresas falirem em catadupa, e depois nem produção, nem emprego, nem salário...)
Lembrei-me disso hoje ao ler o título da notícia do Expresso sobre uma entrevista à socióloga Sílvia de Almeida, professora da FCSH, uma das coordenadoras de um estudo sobre a "segregação dos alunos de origem imigrante".
Diz a senhora:
“Enquanto a classe média e alta conseguir escolher a escola onde inscreve os filhos continuará a existir segregação”.
Nem mais. Enquanto não nivelarmos tudo por baixo a destruição tem que continuar.

quinta-feira, abril 15, 2021

Goulart Nogueira


 Nesta antologia encontram-se, entre outros, artigos sobre Alfredo Pimenta, António Sardinha, Salazar, Fascismo, Monarquia, Robert Brasillach, Drieu La Rochelle, Rudolf Hess, uma entrevista e um questionário a Goulart Nogueira, poemas de combate, textos de homenagem após a sua morte… A recolha foi feita no jornal “Mensagem” (1950-1952), na revista “Tempo Presente” (1959-1961), no jornais “Diário da Manhã” (1963-1964), “Frente” (1966), “Agora” (1966-1968), “Vanguarda” (1970), jornal e revista “Política” (1970-1972), “A Rua” (1976), “Acção” (1986) e revista “Último Reduto” (1988).

Encomendas para distronr@gmail.com ou 930673766.

quarta-feira, abril 14, 2021

Nos 90 anos da república em Espanha


 Importa recordar a origem da guerra civil que veio a dilacerar o país vizinho. Logo em Fevereiro de 1936 o líder do PSOE (Partido Socialista Obrero Español) anunciava em tom bombástico que em cinco anos a Espanha seria soviética. Não seria apenas república, seria uma república soviética. Convém lembrar que era então o PSOE o motor dessas transformações comunistas (Largo Caballero era apelidado de "Lenine espanhol", e ufanava-se disso. Santiago Carrillo era então um jovem dirigente das Juventudes Socialistas. Só mais tarde o Partido Comunista ganharia relevância e protagonismo). Repare-se na notícia mais pequena à direita: templos e centros cedistas atacados por toda a Espanha (a CEDA era a Confederacion Española de Derechas Autonomas). O Presidente Manuel Azaña tentava apagar os fogos, promovendo uma reunião extraordinária com os deputados. Mas a Espanha estava a arder. Os revoltosos de Julho seguinte foram os bombeiros. Os incendiários estão perfeitamente identificados.