As Arcas de Montemór (lenda)
Entre escombros, na rudeza
De vetusta fortaleza,
Batidas do vento agreste,
Empedernidas, cerradas,
Há duas arcas pejadas,
Uma de oiro, outra de peste.
Ninguém sabe ao certo qual
Das duas arcas encerra
O fecundo manancial
Que fartará de oiro a terra
Mesquinha de Portugal;
Ou qual, se mão imprudente
Lhe erguer a tampa funérea,
Vomitará de repente
A fome, a febre, a miséria,
Que matarão tôda a gente.
Sempre que o povo faminto,
Maltrapilho e miserando,
Fôsse ele cristão ou moiro,
Entrou no tôsco recinto,
Para salvar-se, arrombando
A arca pejada de oiro,
Quedou-se, os braços erguidos,
O olhar atónito e errante,
Sem atinar de que lado
Vinha morrer-lhe aos ouvidos
Uma voz agonizante,
Entre ameaças e gemidos:
- “Oh povo de Montemór,
Se está mal, se és desgraçado,
Suspende, toma cuidado,
Que podes ficar pior!”
E, nestas perplexidades
E eternas hesitações,
Hão-de passar as idades,
Suceder-se as gerações,
E continuar na rudeza
Da vetusta fortaleza,
Batidas de vento agreste,
Empedernidas, cerradas,
As duas arcas pejadas,
Uma de oiro, outra de peste.
Conde de Monsaraz
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