Coisas do arco da velha
Faz pouco tempo, a Ordem dos Advogados promoveu grandiosa homenagem a Francisco Salgado Zenha.
Proclamado advogado honorário, louvado como intransigente defensor dos direitos humanos, apontado como modelo de excelsas virtudes, com direito a medalha de ouro da Ordem, fotobiografia, discursos vários... foi por lá uma romaria, com todos a tecerem loas ao santo.
Entre os mais, também se distinguiu nas louvaminhas o actual bastonário da Ordem, José Miguel Júdice, que escreveu curioso texto de tom memorialista.
Acontece, porém, que o homenageado, in illo tempore, exerceu cargos ministeriais – entre os quais, várias vezes, o de Ministro da Justiça (noutra pasta celebrizou-se pelo famoso discurso sobre a necessidade de poupar a “gasolina que queimamos nos radiadores dos nossos automóveis”, mas esta boutade parece-me de somenos).
Como Ministro da Justiça, foi o encarregado, ou encarregou-se, de surgir na televisão, há-de haver vinte e oito anos e meio, para responder a crescentes preocupações internacionais, jurando solenemente que em Portugal não havia presos políticos – e que isso eram campanhas da reacção.
Nessa data em que assim solenemente o afirmou julgo eu que existiriam, amontoados a trouxe mouxe nas prisões portuguesas, vários milhares de pessoas que não poderiam ter outra classificação que não essa – presos políticos, engavetados as mais das vezes por simples presunção do que seria o seu pensamento, sem que acto algum lhes fosse imputado e sem que o encarceramento tivesse sequer qualquer simulacro de cobertura jurídica.
Entre esses presos estava também um jovem assistente universitário, de nome José Miguel Alarcão Júdice.
Disso não te lembras, José Miguel?
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