sábado, agosto 30, 2003

Excelências eborenses

Como notarão todos os visitantes, e sentem todos os locais, o comércio eborense é, em regra quase sem excepção, de uma mediocridade confrangedora.
Comentam os entendidos que isto já está muito perto de Lisboa.... e estabelecimento de qualidade não medra, a potencial clientela numa hora dá um saltinho à capital.
Mas heróicas excepções também há. E faço questão de deixar hic et nunc um público louvor a duas dessas deliciosas excepções.
Ambas delícias para o espírito, uma por via do estômago e outra por via do intelecto. Ambas de comer e chorar por mais.
E as duas com sede na mesma zona da urbe: ao pé do Largo dos Castelos, à vista do imponente edifício do Quartel dos Dragões de Olivença, na Rua de Cicioso, fica a Pastelaria “Pão de Rala”, criação de D. Ercília, artista benemérita; e ali perto, na Travessa dos Arcos, pouco abaixo do Largo da Porta de Moura, fica a Livraria “Som das Letras”, "onde os livros têm a palavra". Feliz iniciativa do Luís e da Anabela, um simpático casal de eborenses por adopção.
Primeiro a pastelaria: obra de autor, digo de autora, a casa tornou-se em poucos anos lugar de culto, santuário da doçaria alentejana, templo da gula, monumento ao bom gosto e à autenticidade – numa cidade onde praticamente só havia uns postos de venda de bolos, todos enjoativamente banais.
Depois a livraria: o Luís e a Anabela, dando a tudo um toque pessoal, também criaram obra de autor, a justificar copyright – uma livraria que gosta de livros, como já não se encontra mais, numa terra onde só há papelarias.
Só não digo que estamos perante a única livraria de Évora por respeito à velhinha "Nazareth", que também é papelaria, e perfumaria, e posto de venda de livros escolares, além de outras coisas mais, mas mesmo assim mantém algo do que foi; e foi muito, na vida da urbe eborense, desde o último quartel do século XIX. Recordo aliás que a tradição da casa é a diversidade, e não apenas o comércio livreiro; há muitas décadas, na letra de uma revista eborense que então fez bom sucesso, assim a descrevia João Vasconcelos e Sá:

“Dentro dos arcos da Praça
a loja do Nazareth
tem selos, correntes, carteiras e pentes,
impressos, rosários, botões, calendários,
compassos, carimbos, romances, cachimbos,
kodaques, tabaco, postais e rapé”.

E nisto dou por mim a sorrir com a lembrança do bom velho Joaquim Nazareth, sempre solícito e prestável (talqualmente acontece agora com os jovens donos do “Som das Letras”, quando por lá passamos a esgaravatar as estantes e expositores) perante o cliente que não encontrava o que queria: “Não há manda-se vir”.
E nunca faltou ao lema.