Os ex-comunistas
Alguns conhecidos meus acham exagerada a desconfiança que eu, de quando em vez, manifesto em relação aos ex-comunistas – que, como é notório, enxameiam cada recanto da república. Tomam a minha atitude por preconceito, ou reflexo adquirido.
Mas não é assim. Estou de caso pensado. E explico.
O que neles me causa apreensão não é o que foram; é o que neles ficou depois de deixarem de ser. Se houvesse mudança autêntica e verdadeira, admissão de erro, arrependimento activo, com gosto levantaria eu as defesas. Mas a gente examina o processo mental que neles se operou e não é isso que encontra.
Segundo os próprios, que desse modo se explicam, em infindáveis e lamentosas justificações que já por si muito dizem, passou-se que o curso da história tornou impossível o imobilismo ideológico que criticam nos permanecentes. E vai daí eles aceitaram transformar-se – mas contrariados, como ressalta de todos os depoimentos. De muitos com propriedade se pode afirmar que nunca saltaram o muro – saltaram para o lado, para o muro não lhes cair em cima.
A mudança não veio de dentro, foi-lhes imposta de fora. Eles deixaram de ser... mas vivem cheios de pena, angustiados com a perda, em constantes sobressaltos de nostalgia.
E no geral mantêm todos os tiques da seita; é observar como aqueles que surgem a proclamar as excelências do debate público e aberto ficam enxofrados quando o debate ameaça alastrar a opiniões que não sejam as suas. Eles gostam do debate, sim; mas desde que fique entre eles e o próprio umbigo.
Perguntarão agora em quem estarei eu a pensar; e eu sei muito bem em quem estava a pensar, mas, perdoem-me esta fraqueza, não vou dizer – só para vos obrigar ao trabalho de lançar os palpites e adivinhações que ao caso se ajustem.
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