sábado, setembro 13, 2003

ANTIGAMENTE CALAVAM-SE...

Também faz parte de uma certa maneira portuguesa de estar a desvalorização do que é brasileiro, ou a ignorância do que lá se passa. Para muito intelectual luso, aquilo é tudo samba e futebol. Especialmente para esses, transcrevo parte de um artigo do extraordinário escritor católico tradicionalista Gustavo Corção. Já sei que não conhecem, mas o defeito não é dele.

ANTGAMENTE CALAVAM-SE.....
Um amigo que se julga ateu ou não-católico telefonou-me outro dia, e logo me atirou pelos fios esta pergunta aflita: "Meu caro C. me diga uma coisa: a Igreja antigamente era ou não era uma coisa muito inteligente?"
Ia responder-lhe com ênfase: "Era!" Mas enquanto vacilei alguns segundos meu amigo desenvolveu a idéia: "Olhe aqui. Eu bem sei que antigamente existiam padres simplórios, freiras tapadíssimas, leigos ainda mais simplórios e tapados. A burrice não é novidade, é antiqüíssima. Garanto-lhe que ao lado do artista genial que pintava touros nas cavernas de Espanha, anunciando há quarenta mil anos a brava raça de toureiros, havia dois ou três idiotas a acharem mal feita a pintura.
— Mas, calavam-se, disse eu.
E logo o meu amigo uivou uma exclamação que trazia na composição harmônica de suas vibrações todas as explosões da alma: a alegria, a angústia, a aflição de convencer, a tristeza de um bem perdido e até a cólera...
— Pois é! CALAAAVAM-SE!!!
Contei-lhe então uma história de antigamente. Teria eu dezoito ou dezenove anos, e meu herói dezessete ou dezoito. Ele era o aluno repetente de uma escola qualquer, e eu seu "explicador" de matemática. Eu sentia a resistência tenaz que, dentro dele, se opunha às generalizações matemáticas. Ficava rubro, vexado e alagado de suor.
Recomeçava eu a explicar certo problema quando ele, numa decisão brusca, me deteve e suplicou:
— Explica devagar, devagarzinho, porque eu sou burro.
Na outra ponta do fio meu amigo de hoje explodiu:
— Que gênio! QUE GÊNIO!!
Era efetivamente genial aquele moço de antigamente. Não segui sua trajetória e não sei se ele hoje amadureceu e desabrochou aquele botão de sabedoria em flor, ou se virou idiota e portanto intelectual. O que pude garantir ao meu amigo não-católico é que antigamente a atitude média dos idiotas era tímida, modesta e respeitosa. E isto que se observava nas ruas, nas aulas particulares, nos salões de bilhar e nos clubes de xadrez, observava-se também na Igreja. De repente, em certo ângulo da história, mercê de algum gás novo na atmosfera, ou de algum fator ainda não deslindado, os idiotas amanheceram novos e confiantes. Já ouvi e li muitas vezes o termo "mutação" surrupiado das prateleiras da genética e aplicado à história, à Igreja, ao dogma e aos costumes. Dois ou três bispos franceses não sabem falar dez minutos sem usar o termo "um mundo em mutação".
Se mutação houve, estou inclinado a crer que foi naquele ponto a que atrás aludimos: os idiotas que antigamente se calavam estão hoje com a palavra, possuem hoje todos os meios de comunicação. O mundo é deles. Será genético o fenômeno e por conseguinte transmissível?
— "Receio muito", gemeu a voz de meu amigo, "você não leu os jornais da semana passada?"
— O quê? — perguntei com a aflição já engatilhada.
— A descoberta do capim!
Não tinha lido tão importante notícia, e o meu amigo explicou-me: um sábio, creio que dinamarquês, chegou à conclusão de que o capim é um dos melhores alimentos do homem. Meu amigo não me explicou que se tratava do Homo Sapiens, do Everlasting Man, de Chesterton, ou do Homo postconciliarius. Seja como for, dentro de quatro ou cinco anos teremos a humanidade de quatro e espalhada nos pastos.