Eurovotações
Não sei se os leitores conhecem uma velha anedota, mais ou menos como vou contar.
No final da actuação de um artista lírico pouco dotado, este à boca de cena agradecia os aplausos de circunstância que a fria assistência por delicadeza condescendente lhe dirigia.
Eis porém que na fila da frente um desconhecido membro do venerável público se esganiçava em “bravos”, entrava num frenesim de palmas, e de pé vá de gritar “bis, bis, bis, bis...”
E não havia meio de se calar.
Perante tamanha insistência, o surpreendido cantor lá acedeu – e de novo se ouviu a mesma música, e a mesma desafinação.
Finda a repetição, repete-se a cena: os demais assistentes que restavam bateram suavemente umas palmas deferentes, e o espectador da fila da frente entrava em paranóia ainda mais desenfreada: “bis, bis, bis, bis...”
Era tal a gritaria, e surgia tão despropositada, que um outro espectador do lado não resistiu a interpelar o primeiro – que raio de atitude vinha a ser aquela?
E o protagonista, sem interromper as palmas, e por entre os gritos de “bis, bis”, lá esclareceu o caso:
- “Há-de cantar até aprender!”
Ocorreu-me agora esta historieta a propósito do resultado de um recente referendo na Suécia, em que os votantes não agiram com a afinação desejada por quem tudo manda.
E vai daí já se fala em repetir a consulta popular.
Como todos sabemos, o caso nem é novo: já aconteceu na Dinamarca e na Irlanda, quando os eleitores também fugiram do tom na música que lhes apresentavam já escrita.
E a doutrina nem é exclusiva dos bonzos de Bruxelas; também por cá faz carreira a propósito de uns referendos que por aqui houve sobre aborto e sobre regionalização.
“Hão-de votar até aprender!”
Mais coerente e singela é a posição daqueles que, embora da mesma família, pugnam pelo banimento dos referendos – pelo menos para os assuntos de importância.
Explicam eles que com coisas sérias não se brinca – e o povinho não é de confiança.
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