segunda-feira, setembro 29, 2003

O PESSIMISMO NACIONAL

Parece estar quase na moda descrer sistematicamente de Portugal, do seu Povo, e das suas capacidades. Principalmente, talvez por tradição, olha-se para a vizinha Espanha, fazem-se comparações, e ou se reage quase com “raiva”, ou se lamenta a situação portuguesa, defendendo mesmo uma União Ibérica como forma de resolver os problemas da velha terra lusa.
Não vou considerar tal uma traição. Não sou maniqueísta. Respeito tal opinião como o exercício da liberdade de expressão. Não acredito em patriotismos que tenham de ser impostos. Acredito em patriotismos que debatidos livremente, resultam como naturais.
Lembro-me de um artigo no “Público” em que uma intelectual de reconhecido mérito, comparava Portugal e Espanha, com manifesta vantagem para esta última. Recorda a Espanha que conheceu na década de 1960, e a sua pobreza. Recordava a evolução posterior, sem esquecer que o próprio franquismo, na sua fase final, começou a privilegiar o desenvolvimento interno, no que não seguiu o exemplo de Salazar, que se atolou numa Guerra Colonial sem fim, e nunca se livrou de um modelo de sociedade ruralizante e arcaico. Notava depois a excelência da pintura espanhola , o que ninguém no mundo contesta. Deslumbrava-se com o desenvolvimento económico, insurgia-se (e bem) contra o ódio à Espanha.
Num ponto não posso concordar: quando afirmava que o patriotismo só era concebível em momentos de emergência nacional. É que, para haver “emergência nacional”, tem de haver nação, que algum tipo de patriotismo terá de sustentar.
Concordei com a afirmação de que há um patriotismo moderno, que consiste em amar a pátria fazendo tudo para a tornar mais próspera, mais forte, e mais culta, e um patriotismo conservador, que consiste em viver no passado.
Todavia, a autora em questão acabava por manifestar um total desânimo e uma completa descrença nas capacidades de Portugal. Ficava deslumbrada com o que via, e propunha-se imitar tudo. Reclamava que o seu mundo não acabava em Vilar Formoso, tentando ver mais longe que o limite da fronteira do seu país.
Aqui, fez-me lembrar um comentário do velho romano Tácito, em relação à atitude dos povos dominados por Roma, no processo de Romanização. Dizia ele, a propósito dos ditos povos: “Os mais propensos há pouco a rejeitar a língua de Roma ardiam em zelo para a falar eloquentemente. Depois isto foi até ao vestuário que nós temos a honra de trajar e a toga multiplicou-se progressivamente; chegaram a gostar dos nossos [Romanos] próprios vícios, (...) dos banhos (...), e estes iniciados levaram a sua inexperiência a chamar civilização ao que não era senão um aspecto da sua sujeição”.
Ninguém podia acusar a autora, uma escritora, de desrespeitar a sua língua. Mas... será que não estamos, muitos de nós, a proceder como os povos dominados pelos romanos?
Antes de desenvolver outros tópicos, gostaria de desmistificar alguns números, referentes ao nosso vizinho peninsular, apenas (e só por isso...) por ser o país com o qual mais vezes é costume comparar desvantajosamente o nosso. Por exemplo, é costume ouvir frases do género: “Em Portugal ganha-se 3 ou 4 vezes menos do que em Espanha”, ou “Não há em Espanha reformas inferiores a 90 mil pesetas”.
Não há dúvida que actualmente se vive melhor em Espanha do que em Portugal, mas... segundo as estatísticas mais recentes, o Produto Interno Bruto espanhol é de 18.079 dólares, enquanto o português é de 16.064 dólares. Isto dá uma diferença de nível de vida de cerca de 12%. Por outro lado, se as reformas, em Espanha, são superiores às portuguesas, aconselho a leitura do “Periódico Extremadura” de 20 de Agosto de 2001, onde se revela que sistematicamente se esconde que 40% dos idosos extremenhos chega com dificuldades ao fim do mês porque recebe menos de 50 mil pesetas mensais. Há, pois, reformas baixas em Espanha!!!
Vários preços, em Espanha, são mais baixos. Por outro lado, a taxa de desemprego é superior à portuguesa. E há bairros pobres em Espanha, também! Peça, em Badajoz, que o conduzam ao Bairro de São Roque, no antigo caminho de Mérida... e terá uma surpresa, caro leitor! Por outro lado, se alguns salários médios ou altos em Portugal e Espanha são comparáveis, a média dos salários baixos deixa-nos deprimidos, pois é razoavelmente superior à portuguesa. isto significa que a distribuição da riqueza, em Portugal, continua errada, mesmo em termos capitalistas. Temos de mudar isso, e só nós o podemos (e devemos) fazer. E pensar que há empresários, grandes empresários, portugueses, que dizem que os trabalhadores querem ganhar demais...
Mas... como podemos nós adivinhar, daqui a 30 ou 40 anos, qual dos dois países, Portugal ou Espanha, estará melhor economicamente? O tamanho pode ajudar, mas há países menores que Portugal (Holanda, Bélgica, Dinamarca, Suíça) onde se vive melhor que em Espanha. E, já agora, digo-lhe: o Japão é mais pequeno que a Espanha e tem menos matérias primas. Qual é a economia mais desenvolvida? Tudo é uma questão de organização. Eu acredito que somos capazes de fazer melhor.
Portugal nunca irá para a frente se formos continuamente pessimistas. aliás, se nos transformarmos em província de qualquer outro país, perderemos mesmo a nossa capacidade de decidir seja o que for. Seremos eternamente criados, fornecedores de matérias-primas, mão de obra barata, uma massa de consumidores cujo poder de compra será decidido por outros que não nós. Contra isto, não penso que se deva parar de lutar. Se ainda há miséria e exploração em Portugal, se a distribuição da riqueza continua injusta, então há que continuar a contestar. A propor novas soluções, a desmascarar situações de pobreza, de corrupção, de políticos desonestos. Com muito maior empenho do que actualmente.
Não nos podemos esquecer que fizemos coisas boas e más na nossa História. O nosso Orgulho Lusitano deverá reforçar-se (sem xenofobias, chauvinismos ou patriotismos exaltados) com as experiências positivas, e aprender com os erros, evitando repeti-los. Assim fazem todos os Povos!
Neste aspecto, e só neste aspecto, convém não esquecer a História. Para mim, o grande problema da História de Portugal é que a distribuição de riqueza sempre tem sido muito injusta ao longo dos séculos, e assim continua. Por isso, os portugueses, a grande massa, sente-se muito distante das elites, e vice-versa.
Esta União Europeia provoca-me apreensões!
Tenho como historicamente provado que as uniões duradouras não devem deixar escondidos os ressentimentos, mas sim pôr-lhes cobro com justiça. Mais, creio que em tais uniões não pode haver desigualdades significativas em termos económicos e produtivos, sociais e outros.
Aqui, começo a recear pelo futuro da União Europeia... mesmo sem soluções socializantes que alguns considerarão radicais!
Sou muito descrente em relação ao capitalismo, e daí a minha insistência em lembrar que não estou, nestas linhas, a falar como anticapitalista militante que sou (ainda que tal não seja fácil para mim), mas sim como um cidadão que tenta analisar, um pouco neutralmente, o mundo que me rodeia. Ainda que isso de “neutralmente” seja, para mim, quase sempre uma impossibilidade...
Deixem-me dizer uma vez mais que nada tenho contra Espanha. Tenho é algo a dizer contra a fraqueza de Portugal, que, em nome da liberdade de mercados, tem sido governado sem objectivos concretos, sem determinação, deixando que o nosso vizinho Ibérico vá controlando vários sectores de actividade.
Para mim, desde há vários anos, há falta de planeamento. A única política seguida tem sido a de “obedecer a tudo”! Quais são os objectivos nacionais portugueses gerais, mesmo dentro da união europeia? Apenas, e só, integração, diluição, vassalagem.
Portugal é actualmente um país dependente da economia e finanças estrangeiras, principalmente, por motivos geográficos de proximidade, espanholas. Veja-se como a Espanha (por culpa portuguesa, repito) tem tomado conta de sectores-chave da economia (combustíveis, electricidade, telecomunicações, pescas... e até a agricultura). Infra-estruturas produtivas portuguesas têm sido compradas por empresas espanholas, e as mesmas vão-se implantando em Portugal. As políticas erradas vão obrigando alguns jovens portugueses a estudar em Universidades Espanholas, levam à contratação de profissionais espanhóis (que têm muito mérito; o problema é que em Portugal há falta de planeamento que dê formação a profissionais portugueses).
Não se trata de acusar a Espanha de agressividade. Trata-se, sim, de acusar o Estado Português de ter uma visão destrutiva, apática, inconsequente, do que o nosso país deve fazer. Não é a Espanha a culpada!
Da nossa integração europeia, têm resultado algumas agressões culturais (História, Língua, etc.) e comparações económicas sempre vistas como desmobilizadores e não como objectivos de “avanço” do País, que vão contribuindo para criar sentimentos de inferioridade com reflexos graves na auto-estima e na vontade nacionais, a nível cultural, social, histórico, e, claro, económico.
Vou chegando ao fim, não sem confessar que, nestes três últimos parágrafos, me inspirei numa carta publicada no “Expresso” no passado dia 5 de Janeiro de 2002. As minhas desculpas aos autores, mesmo porque não partilho de muitas outras opiniões expressas na mesma carta!!!
Leitores partidários de uma União Ibérica: a vossa opinião é legítima. Não pretendo julgá-la, mas somente expressar uma outra opinião, que julgo ser também legítima.
Pensava dizer algo a respeito do Alentejo, mas o texto já vai longo. Ficará para outra ocasião!


Estremoz, 24 de Janeiro de 2003

Carlos Eduardo da Cruz Luna