“Soutenir Bertrand, sans juger”
Estive a ver num canal de televisão francês, por breves momentos, parte de um debate sobre um acontecimento que recentemente chocou a opinião pública gaulesa: o bárbaro homicídio da jovem e bonita actriz Marie Trintignant, filha de Jean-Louis Trintignant, às mãos do seu companheiro, o cantor Bertrand Cantat, do grupo rock “Noir Désir”, num quarto de hotel em Vilnius.
Sabe-se que estas coisas tratando-se de gente conhecida têm logo outro destaque.
Mas o caso tem alguns condimentos adicionais a provocar o interesse mediático. E logo constatei que o solene debate, protagonizado por um friso de algumas senhoras com bom aspecto, não era movido pela comoção com a sorte da infeliz Marie Trintignant, espancada até à morte, com múltiplos traumatismos na cabeça desfeita, pelo bruto com quem vivia.
As razões da comoção tinham a ver com o Bertrand Cantat, agora preso, e que era um excelente rapaz, eterno militante de todas as boas causas, progressistas, já se vê, tal como acontece com o seu grupo, “Noir Désir”, ícone de todos os combates da “gauche caviar” parisiense nestes últimos anos. Numa palavra, “soutenir Bertrand, sans juger”, que era a palavra de ordem.
E a dada altura uma das senhoras, identificada como jornalista do “Le Monde”, recorda o caso acontecido com o celebrado filósofo do Maio de 68, Louis Althusser, que há poucos anos também matou a mulher, por estrangulamento. Também uma excelente pessoa, cujo importante “contributo teórico” não podia ficar manchado por tão infeliz acidente.
Achei a associação oportuna; mas a senhora continuou, explicando que tais ocorrências tinham uma forte “dimensão simbólica e artística”, que evidentemente não podia ficar esquecida.
E neste ponto desisti. Desliguei a televisão. Tanta complexidade não é para a minha cabeça.
A reconhecida superioridade intelectual da esquerda esmagou-me mais uma vez.
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