A universidade
Um dos meus grandes desgostos de amor foi com ... a Universidade.
Sim, é verdade: em tempos idos também eu padeci de forte paixão por essa rapariga.
A desilusão principiou logo quando aluno; se no começo ia religiosamente às aulas, embevecido perante o presumido saber dos mestres, muito cedo as abandonei, passando ao que então se chamava “método de avaliação final” (isto é, apresentava-me a exame e logo se via).
Na verdade, as aulas eram com inaudita frequência mero papaguear de lições já publicadas, reprodução monocórdica do livro tal, de fls. tal a fls. tantas.
Assim como assim estudava em casa ou na biblioteca.
Mas ainda eu não tinha visto nada. Finda a licenciatura obrigatória, crítico mas ainda iludido, aconteceu-me passar para o outro lado.
Continuava a dominar o método sebenteiro, e se em Lisboa assim era em Coimbra era assim.
Foi o choque total; juro que me empenhava, queria por força que as minhas aulas dessem aos alunos alguma coisa que os servisse, procurava estudar e transmitir o melhor que era capaz.
Mas a atitude era insólita; no meio docente a cultura e a prática rejeitavam com espanto qualquer preocupação didáctica. Isso é para os meninos; estes já são grandes, estudem e aprendam sozinhos...
Acrescia o mais absoluto desprezo e indiferença pela canalha discente; era vulgar a planificação de aulas para disciplinas onde estavam inscritos seiscentos alunos para espaços onde cabiam cem ou duzentos... e a explicação era simples: havia um pressuposto certo, eles não punham lá os pés.
Nem valia a pena, com efeito: o ensino continuava a ser o mesmo triste exercício de debitar as lições já escritas, com respeito até pelas gralhas, e aconselhar a compra respectiva.
Por vezes, servia de alibi ao afastamento liminar da pedagogia e da didáctica (coisas com que um professor universitário que se preze não pode desperdiçar o seu valioso tempo) a sua contraposição à alegada “qualidade científica”. Ou seja, o elevado nível científico, resultantes do estudo e da investigação que são próprios da instituição, não eram compatíveis com tais minudências.
Mas a fraude saltava aos olhos de quem quer que frequentasse o meio por dentro. A regra era a incompetência e o desleixo.
Os dignos carreiristas universitários em geral trabalhavam apenas e só quando a isso obrigavam as exigências da carreira; para o Mestrado, para o concurso, para o curriculum, para o Doutoramento ... alcançados os objectivos logo se parava, e colhiam-se os louros (em turbo-universidades, em rendosos pareceres e consultadorias, em pomposos escritórios de advocacia de negócios...)
Pior do que isso era a habilitação por afinidade; por ser filho de fulano, mulher de beltrano, do partido de sicrano, da loja do mano ...
Desisti, incompatibilizado com tudo e com todos. Fiquei de coração destroçado com a desilusão – e nunca mais lá pus os pés.
Vieram-me agora estas amargas reflexões porque um vizinho aqui do lado, o meu desconhecido amigo Alexandre Franco de Sá, anda a queixar-se do pouco tempo e muito trabalho que tem para preparar um doutoramento.
Mas para que quer ele um doutoramento?
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