quarta-feira, outubro 15, 2003

Ein Wort...

Traduzir é trair? Não penso tal; mas quase sempre é recriar. Traduzir mesmo, não existe. Cada língua tem uma dimensão onde é única, uma alma que só a ela pertence, e aí não tem equivalente em qualquer outra.
Em poesia muito mais ainda. Quem já experimentou sabe do que falo.
Veja-se o seguinte poema de Gottfried Benn, em duas versões portuguesas feitas uma por Jorge de Sena e outra pela escritora brasileira Viviane de Santana Paulo. Ambas notáveis. E numa e noutra, em apenas oito versos, a forte marca pessoal do poeta que reescreveu.

Ein Wort, ein Satz -: aus Chiffern steigen
erkanntes Leben, jäher Sinn,
die Sonne steht, die Sphären schweigen
und alles ballt sich zu ihm hin.

Ein Wort - ein Glanz, ein Flug, ein Feuer,
ein Flammenwurf, ein Sternenstrich -
und wieder Dunkel, ungeheuer,
im leeren Raum um Welt und Ich

*
Uma palavra vem - dos signos brota
apercebida vida, abrupto senso,
o sol detém-se, esferas são silentes,
e tudo se concentra à sua volta

Uma palavra - brilho, voo, fogo,
língua de chama, estrela cadente
- e a treva monstruosa que regressa
no vácuo espaço entre mim e o mundo.

(Tradução de Jorge de Sena)

*
Uma palavra, uma frase - jorra dos signos
vida reconhecida, abrupto sentido,
o sol nasce, esferas em silêncio
e tudo choca-se nisso.

Uma palavra, um brilho, asa e fogo,
uma faísca em chama, uma estrela no breu -
e de novo o escuro, monstruoso,
no espaço vazio entre o mundo e eu.

(Tradução de Viviane de Santana Paulo)