sexta-feira, outubro 31, 2003

José António

Neste ano de 2003 completaram-se cem anos sobre o nascimento de José António, a 24 de Abril de 1903; passam sessenta e sete anos sobre o seu fuzilamento, a 20 de Novembro de 1936; e setenta anos sobre o acto de fundação da Falange, a 29 de Outubro de 1933.
Pelo que sei, mesmo em Espanha tais efemérides têm passado e passarão razoavelmente despercebidas. A Espanha actual prefere esquecer.
Em Portugal, onde o impacto e o conhecimento da obra e da personalidade de José António nunca alcançaram mais que núcleos muito limitados de admiradores, apesar da expressão que aqui também teve, in illo tempore, um precário movimento nacional-sindicalista, os aniversários referidos terão por destino passar inteiramente esquecidos.
E todavia, mesmo assim, a figura do mártir de Alicante alimentou também entre nós sonhos e paixões de gerações que no seu discurso e no seu exemplo pensaram encontrar o caminho da verdade política.
Quando eu, imberbe ainda, começava a minha pessoal caminhada pelas andanças da política, José António surgiu como uma revelação. No meu pequeno grupo recebemos todos com entusiasmo quase devoto o livrinho que José Miguel Alarcão Júdice lhe dedicou, editado em 1972, em Coimbra, pelas Edições Cidadela (agora não surge entre a bibliografia do autor), e creio que foi a admiração daí nascida que explica, em parte, a adesão logo dias depois do 25 de Abril ao Movimento Federalista Português (esquisito nome para uma organização onde ninguém era federalista; mas tudo tem a sua explicação).
O Júdice estava lá ...
O MFP surgiu logo no princípio de Maio de 1974, tendo à frente Fernando Pacheco de Amorim e Costa Deitado. Veio a falecer de morte matada em 28 de Setembro de 1974, crismado já então de Partido do Progresso. E os que não foram levados a conhecer a obra prisional do Estado Novo foram então conhecer a Espanha, a salto, que então ainda havia fronteiras, e bem guardadas.
Foram cinco meses de vida; todavia, tão intensos que marcaram para sempre uma geração, como marcaram um país. Muitos dos jovens dos núcleos nacional-revolucionários existentes em Coimbra, no Porto e em Lisboa tinham seguido naturalmente atrás de Miguel Júdice, de José Valle de Figueiredo, de Miguel Seabra, de Manuel Rebanda, de Diogo Miranda Barbosa, de Manuel Sobral Torres, e de outros que lhes davam garantias. E foram apanhados no turbilhão.
Os precavidos, que não vão a foguetes, tinham formado entretanto o MAP, Movimento de Acção Portuguesa, mas esses não eram os jovenzinhos inconscientes que nós éramos – e essa é outra história. Mas lá que não tiveram mais sorte, isso também é verdade.
Como o propósito era evocar José António, deixo aqui um pequeno artigo que Jaime Nogueira Pinto, então também na verdura da mocidade, publicou vai já para trinta e seis anos.

UMA JUVENTUDE

Escrever sobre José António Primo de Rivera é para nós como falar «dum irmão mais velho, que, antes de nascermos, tivesse abandonado a casa paterna», para correr mundo e morrer longe, um desses retratos amarelecidos, cartas e papéis em arca velha, uma história a recontar, um exemplo a seguir... Tudo isso nos legou José António e por tal, três décadas volvidas o achamos na juventude, e na juventude o temos como modelo, como padrão, como símbolo, como caminho...
Folheio o volume das Obras Completas reunidas e prefaciadas por Agustin del Rio Cisneros. Das páginas dos discursos, das notas políticas, das narrativas das batalhas, deste memorial, deste diário duma Alma e dum Movimento vejo recortar-se, imprimir-se, indelével, na imaginação e na manhã dos dias, a figura do Jovem César, um Espírito, um Destino, um Homem. Bardèche, num livrinho que muitos temos à cabeceira, Qu`est-ce que le Fascisme, escreveu: «...O único doutrinador de quem os fascistas do após-guerra admitem as ideias quase sem reservas, não é nem Hitler, nem Mussolini, mas o jovem chefe da Falange que um destino trágico poupou às agruras do poder e aos compromissos da guerra. A escolha deste herói não é puramente sentimental. Ela mostra tudo o que existe de idealismo no mito fascista. E contém mais, um testemunho: os fascistas preferem os seus mártires aos seus ministros. Como toda a gente».
Preferimos os nossos mártires... Creio que é verdade e talvez aí esteja uma das nossas virtudes que são nossas fraquezas.
Preferimos José António a outros mestres tão coerentes, talvez mais ortodoxos, talvez mais lúcidos... Porque para nós ele significa a Coragem, a Fidelidade, a Alegria, a Juventude, o «sentido ascético e militar da Vida», queremos esse Paraíso difícil, implacável, onde se está de pé com os Anjos. Como ele somos jovens e temos Camaradas, como ele pedimos ao Senhor Deus das Tempestades e das Batalhas, que nos dê o Caminho mais difícil e mais justo, leve a capitólios ou rochas tarpeias não importa, mas que seja o nosso Caminho. E que o sigamos com a mesma Fidelidade, a mesma Alegria, o mesmo Amor, com que José António o trilhou, desde sempre, por boas e más horas, do Discurso da Comédia àquela manhã de Novembro, em Alicante, quando uma vez mais o rubro do Sangue e o negro da Terra se fundiram no epílogo dum «destes combates em que se deixa a pele e as entranhas».


Jaime Nogueira Pinto (In «Agora», n.º 332, pág. 7, 25.09.1967)