A obra intangível do Dr. Abílio Fernandes
Frequentes vezes, conversando longe de Évora, pessoas as mais diversas romperam espontaneamente em elogios à gestão municipal que foi aqui vigente ao longo de um quarto de século. Os elogios eram sempre estranhamente iguais. “fui outro dia a Évora. Que beleza! Vocês têm muita sorte em terem lá aquele presidente de câmara! Tudo tão preservado, tão cuidado ... uma maravilha!”.
Como já estava habituado a tais desabafos, geralmente fazia cara de ponto de interrogação: “Porquê tal elogio?” Os meus interlocutores admiravam-se, e engasgavam-se. “Então... não se está mesmo a ver? Não diz toda a gente? Tudo tão bem conservado! Tantos e tão belos monumentos!!!”.
A conversa acabava neste ponto. Observava divertido que nenhum dos monumentos era obra desta gestão autárquica; e que não me parecia grande mérito esse de conservar. Os cargos em causa não têm por missão a destruição do que existe. Conservar o que se recebe é o mínimo dos mínimos no cumprimento das obrigações.
Fiquei porém com uma ideia assente: na gestão da imagem, sobretudo para o exterior, foi o poder autárquico dominado durante 25 anos por Abílio Fernandes realmente mestre indiscutível.
Para dentro da cidade nem tanto; nunca por cá ouvi os rasgados elogios correntes na imprensa bem pensante ou na opinião moldada por esta.
Com efeito, findo o período histórico em questão, nada se encontra que possa servir de emblema, de marca de orgulho ou distinção para os responsáveis pelo poder local durante este passado quarto de século.
Nada, para além da tal conservação – e mesmo a este respeito os indígenas têm visão um tanto diferente do forasteiro que aqui passou uma vez como turista, ou viu algures umas reportagens.
Outros poderiam gabar-se – e lembro que ainda estão vivos pelo menos outros dois antigos presidentes de câmara desta cidade, Henrique Chaves e Serafim Silveira – de legados pessoais imperecíveis: “no meu tempo lancei e inaugurei as piscinas municipais”; “no meu mandato planeei e executei a zona de urbanização n.º 1 ou n.º 3” ....
Abílio não: ficam como sinais do seu tempo quatro ou cinco rotundas, e o monumento ao bombeiro ...
Mas conservar é realmente escasso mérito; repare-se que mesmo num conservador de museu actualmente é consensual que essa virtude não basta; pretende-se que anime o sítio, que faça do seu espaço um centro vivo de difusão da cultura, não que seja um guardião de memórias mortas.
Conservar é virtude capital em congelador ou arca frigorífica; espera-se mais de um governante.
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