terça-feira, outubro 28, 2003

Pedro Homem de Mello

O poeta D. Pedro da Cunha Pimentel Homem de Mello nasceu no Porto a 6 de Setembro de 1904 e veio a morrer na mesma cidade a 5 de Março de 1984.
Deixou vasta obra marcada por um lirismo profundamente português, nascido da sua própria vivência íntima e numa sentida e autêntica sintonia com o povo.
Foi muitas coisas na vida; advogado, professor ... sempre e sobretudo poeta.
A popularidade veio-lhe mais da sua actividade como estudioso e divulgador do folclore português, tarefa que o apaixonou durante décadas, e que o levou desde as romarias do Minho até aos programas da televisão.
A sua poesia espraiou-se por muitos livros: “Caravela ao Mar”, “Segredo”, “Há Uma Rosa na Manhã Agreste”, “Grande grande era a cidade”, “Eu Hei-de Voltar um dia”, “Eu Desci aos Infernos”, “Grande Poeta é o Povo”, “O Rapaz da Camisola Verde”, “Bodas Vermelhas” ....
Mas nunca ela, que tinha nascido do povo, teria alcançado a glória da voz do povo se não fora o encontro com Amália. Mágico casamento, que nos deu, entre o mais, “Fria claridade”, “Prece”, “O rapaz da camisola verde”, e, acima de tudo, “Povo que lavas no rio”.
Dou-vos hoje de presente “Povo que Lavas no Rio”, do Poeta D. Pedro.


Povo que lavas no rio

Povo que lavas no rio
Que vais às feiras e à tenda
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão,
Há-de haver quem te defenda,
Quem turve o teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida não!

Meu cravo branco na orelha!
Minha camélia vermelha!
Meu verde manjericão!
Ó natureza vadia!
Vejo uma fotografia...
Mas a tua vida, não!

Fui ter à mesa redonda,
Beber em malga que esconda
Um beijo, de mão em mão...
Água pura, fruto agreste,
Fora o vinho que me deste,
Mas a tua vida não!

Procissões de praia e monte,
Areais, píncaros, passos
Atrás dos quais os meus vão!
Que é dos cântaros da fonte?
Guardo o jeito desses braços...
Mas a tua vida, não!

Aromas de urze e de lama!
Dormi com eles na cama...
Tive a mesma condição.
Bruxas e lobas, estrelas!
Tive o dom de conhecê-las...
Mas a tua vida, não!

Subi às frias montanhas,
Pelas veredas estranhas
Onde os meus olhos estão.
Rasguei certo corpo ao meio...
Vi certa curva em teu seios...
Mas a tua vida, não!

Só tu! Só tu és verdade!
Quando o remorso me invade
E me leva à confissão...
Povo! Povo! eu te pertenço.
Deste-me alturas de incenso.
Mas a tua vida, não!

Povo que lavas no rio,
Que vais às feiras e à tenda,
Que talhas com teu machado,
As tábuas do meu caixão,
Pode haver quem te defenda,
Quem turve o teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida, não!

PEDRO HOMEM DE MELO