De novo a poesia
Deixando o intermezzo histórico, a que todavia regressarei em breve, volto-me novamente para a poesia. O espírito pode debruçar-se sobre o campo chão das coisas do tempo, mas a alma aspira às alturas. E volto a afixar um poema de Francisco Bugalho, que já mencionei pela sua dedicação a Castelo de Vide e ao agro alentejano. Aqui fica, em manifesto deslumbramento pela paisagem e pelo homem que a enche – sempre a fidelidade às raízes.
CORTICEIROS
No silêncio ardente do dia parado,
Há lida de gente no denso montado.
Há troncos despidos, já lívidos, frios,
E troncos que esperam, em funda ansiedade,
Com gestos convulsos, de sonhos sombrios,
Em dor e silêncio, por toda a herdade.
Os pés descalços trepam ágeis,
Sobem ...
O machadinho crava-se e segura,
Como se fora um croque de abordagem,
O homem
A subir, na faina dura.
E há pasmo na canícula.
E há silêncio, de assombro, na paisagem!
Troncos dilacerados!...
E lembra-me, assim vistos a distância,
- Os vultos a trepar pelos troncos gigantes –
Como, em contos de infância,
Cornacas dominavam enormes elefantes.
- Que os troncos majestosos e inermes
Têm o ar daqueles paquidermes,
Lentos, laboriosos, resignados. –
Desses trágicos braços contorcidos,
Que mais tarde, a sangrar ,
São a gala maior desta paisagem,
E, agora, estão gelados, confrangidos
Pela tortura sem par,
No pino da estiagem,
Vão homens rudes, escuros e suados,
Lenço metido sob o chapéu largo,
Arrancando aos bocados,
Em férrea luta obscura,
Com qualquer coisa de febril e amargo,
A epiderme dura.
- Oh, velhas árvores dos montados!
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