quarta-feira, novembro 26, 2003

Marx e Freud: dois sistemas envenenados

“Pode-se ser antimarxista e reconhecer o génio de Marx; pode-se ser anti-freudiano e continuar a reconhecer o génio de Freud. Os dois sistemas falharam inchando de exageros, de petições de princípio, de preconceitos camuflados e - observando bem de perto - de erros em muitos detalhes. E contudo, encarados no seu conjunto, estes sistemas, têm o efeito irresistível das mudanças de clima. Quando lanço um olhar aos dezoito volumes das obras completas de Freud, nas prateleiras da minha biblioteca, lembro-me por vezes, do aviso de Rembrandt aos visitantes do seu atelier, convidando-os a olhar para as suas telas de longe. “Não metam o nariz nos meus quadros, o cheiro da pintura envenenar-vos-ia” .
Poder-se-ia perguntar em que momento esse cheiro a pintura fresca se transformaria em veneno - em que momento Marx se torna marxista e Freud freudiano. Seria satisfatório desculpar o mestre e atribuir todas as culpas ao alunos. Marx não teria certamente aprovado os métodos de Staline e Freud ter-se-ia dificilmente responsabilizado pelos pesadelos iluminados de uma Mélanie Klein. Mas as sementes de tudo isto estavam já presentes no próprio mestre na sua tendência fatal de saltar do pressentimento e da hipótese à asserção dogmática, de brincar como um malabarista com os símbolos, de propagar uma mitologia pessoal na qual mistura o museu Grévin e o Panthéon grego."


Arthur Koestler, no prefácio de “La scolastique freudienne”, de Pierre Debray-Ritzen.