MFA e partidos
Ainda não parei com as recordações do ano de 1974. Não se diga que são lembranças sem interesse, meras curiosidades sem relevância histórica. Com efeito, o quadro político-partidário ainda hoje vigente nasceu dos acontecimentos de então. Os que não passaram dessas eliminatórias nunca mais entraram no campeonato. E os escolhidos da altura monopolizaram até agora a representação política. A direita escolhida pelo poder militar para subsistir e ficar a representar essa função, de modo a poder ser apontada como tal para o estrangeiro apreensivo, foi o CDS. Não pode deixar de notar-se que o relatório oficial sobre os acontecimentos do 28 de Setembro nem uma só vez refere a existência do CDS, que já estava em pleno funcionamento desde Maio anterior. E o certo é que faz referência a acontecimentos concretos, ligados à preparação da famosa manifestação da maioria da maioria silenciosa, em que para além das pessoas e organizações que são mencionadas estiveram também pessoas do CDS e o próprio partido – pelo menos tão envolvidos como outros que ficaram apontados para pagar a conta.
Ou seja: o documento em causa parece-me tão revelador pelo que esconde como pelo que diz. Quem tomou o poder em 28 de Setembro de 1974 fez claramente opções sobre quem podia e não podia continuar em campo. Consequentemente, os partidos, organizações e jornais a quem saiu bola preta foram de imediato ocupados e saqueados, os seus responsáveis presos, e os que não o foram tiveram que exilar-se ou calar-se.
Os seleccionados para, embora de forma condicionada, continuar no sistema a representar a direita e o centro, foram apenas o PPD, porque já estava no governo, e o CDS, porque até estava representado no Conselho de Estado, e tinha fortes ligações internacionais – e sobretudo porque nessa fase a revolução ainda temia as reacções exteriores se avançasse também contra esses.
A evolução posterior veio a determinar que o sistema partidário se consolidasse assim – de modo ainda mais fechado e definido quando o permanecente PDC foi também colocado fora de jogo logo em Março seguinte.
Em resumo: os acontecimentos despoletados pela inventona do 28 de Setembro, completados depois com o processo ligado ao 11 de Março, foram o verdadeiro acto fundacional do sistema partidário português. O pacto MFA-Partidos só reduziu a escrito o contrato já imposto aos aderentes.
Termino agora com um saboroso naco do inestimável “relatório do 28 de Setembro de 1974”, onde os briosos investigadores militares puseram a nu as tenebrosas maquinações da reacção.
“6. Os meios de comunicação social eram, aliás, um dos pólos de atenção dos mentores da ofensiva da extrema-direita.
A sua utilização surge na sequência de uma campanha de dinamização política e financeira liderada por um grupo de influentes elementos fascistas que se organizaram para esse fim, entre os quais se destacam os nomes de: General Kaulza de Arriaga, que assegura o apoio financeiro; Pedro Feytor Pinto, que, perante a "importância dos jornais das vilas", para eles pode fazer uma útil "canalização"; Luís Folhadela de Oliveira, que escreve a um amigo de Vila Nova de Famalicão a comunicar-lhe que "a Rádio Alto-Douro, da Régua, pertence a um tipo fixe que está avançado em idade e quer que se faça barulho" e que andava a averiguar “quem é o titular de uma hipotética licença de estação de rádio para Braga"; Artur Agostinho, de cujos serviços este grupo se procura assegurar.
Diga-se ainda que outro dos propósitos confessados de tal grupo era o lançamento de dois jornais diários - um no Porto e outro em Lisboa; e que o apoio aos periódicos primeiramente mencionados era também ponto assente, em particular depois de, numa reunião efectuada no Algarve em Agosto, com a presença de José Harry de Almeida Araújo e de um indivíduo português da ITT, se ter concluído pela enorme dificuldade em conseguir posição nos capitais das empresas proprietárias de publicações e estações emissoras.
7. A utilização nesta campanha de certos meios de comunicação baseava-se, como é evidente, em três pressupostos:
- 0 de ter a reacção necessidade de fomentar a criação de um clima social propício ao desenvolvimento da manobra que intentava empreender, pelo descrédito que pretendia lançar sobre o Governo Provisório, sobre o Movimento das Forças Armadas e sobre o processo em curso desde o 25 de Abril, de modo a que ficasse justificada a instauração de um poder pessoal que salvasse a Pátria;
- O de serem eles veículos através dos quais poderia fazer chegar a sua voz junto das massas menos politizadas e, por isso, mais sensíveis às ideias que lhes desejava impor, pelo desempenho fiel e sectário do papel que a esses meios de comunicação reservava no contexto da ofensiva - preparação psicológica de certas camadas da população (maioria silenciosa ou não); e ainda
- O de vigorar no País uma liberdade de imprensa que lhe possibilitava pronunciar-se quase impunemente contra a nova ordem estabelecida, pela subversão ideológica confundida e baseada no uso de tal liberdade.
8. Por outro lado, era imperioso para as forças reaccionárias disfarçarem o seu reagrupamento e as suas actividades. Recorriam, para tanto, à invocação de fachadas partidárias muito próprias, sob as quais pretendiam entrar no jogo democrático, que não aceitavam afinal, mas que no condicionalismo presente lhes poderia servir de via para alcançarem os seus objectivos anti?democráticos.
Por isso, as organizações políticas à sombra das quais se refugiavam nomes altissonantes do fascismo, foram surgindo. Sem preocupações cronológicas, refiramos algumas das que mais directamente se relacionaram com o "28 de Setembro" e caracterizemo-las brevemente: (...)
Fica para outra vez a descrição das organizações proscritas, e dos facínoras a elas ligados. Tenham paciência, e não desamparem o blogue.
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