sábado, novembro 29, 2003

OS VENCIDOS DO CATOLICISMO

Simpatizo muito com João Bénard da Costa. É um homem culto, inteligente – e escreve bem, muito bem, o que nos tempos que correm é recomendação maior.
João Bénard é evidentemente de uma geração que coincide no tempo com a do meu pai, não tendo por isso comigo qualquer paralelismo de percurso, nem no aspecto temporal.
E os seus caminhos, como é notório, conduziram-no em direcções que não são as minhas.
Mas a sua geração interessa-me, desde logo pelo conjunto de talentos que reunia, e depois pelo itinerário pessoal e de grupo que os marcou.
Eles são os homens do catolicismo empenhado, numa primeira fase, de seguida são os intelectuais do progressismo católico, finalmente acabam praticamente todos como ex-católicos ...
Deixaram largo rasto, bastando lembrar Nuno Bragança, Ruy Belo, Nuno Teotónio Pereira, a “Moraes Editores”, “O Tempo e o Modo” ... a ligação a António Alçada Baptista, que também teve evolução pessoal semelhante.
A experiência mais marcante da vida mental e espiritual desta gente foi claramente a sua luta pela Fé, e a desistência dela.
Isso mesmo explicou Bénard da Costa numa sequência de textos que publicou no “Independente”, e que constituem um sincero e comovente relato desse itinerário pessoal e de grupo. Colocou-se então o autor sob a invocação de um poema de Ruy Belo, encarado como fiel retrato de uma geração perdida e desorientada, que aqui quero deixar como o depoimento deste, o poeta representativo do grupo.
Curiosamente, nesses textos memorialistas João Bénard pareceu-me deixar um desafio a D. António dos Reis Rodrigues, a quem os seus desde muito novos se habituaram a tratar apenas por “Sr. Dr.”, para que se explicasse, e os explicasse – a eles, que em tempos remotos tinham sido os meninos do sr. Bispo.
E tempos depois apareceu nas livrarias um livro de memórias do velho D. António dos Reis Rodrigues, que apesar da curiosidade ainda não tive oportunidade de ler. Não sei se em algum ponto responde às interrogações presentes no espírito de João Bénard.
Fica aqui o poema de Ruy Belo que João Bénard da Costa chamava implicitamente como também seu, e que é afinal de toda a geração dele – como homenagem minha, embora triste, aos “vencidos do catolicismo”.

NÓS OS VENCIDOS DO CATOLICISMO

Nós os vencidos do catolicismo
que não sabemos já donde a luz mana
haurimos o perdido misticismo
nos acordes dos carmina burana

Nós que perdemos na luta da fé
não é que no mais fundo não creiamos
mas não lutamos já firmes e a pé
nem nada impomos do que duvidamos

Já nenhum garizim nos chega agora
depois de ouvir como a samaritana
que em espírito e verdade é que se adora
Deixem-me ouvir os carmina burana

Nesta vida é que nós acreditamos
e no homem que dizem que criaste
se temos o que temos e jogamos
“Meu deus meu deus porque me abandonaste?”


Ruy Belo