“Ana Paula”
Não sei como se fazem e se desfazem as glórias literárias. As tertúlias lisboetas passaram décadas a dizer que era o João Gaspar Simões. Mas que não era, viu-se: o homem morreu, ninguém o substituiu, e as reputações e esquecimentos continuam a nascer e a viver ao ritmo do tempo. Aliás, pode dizer-se com segurança que se o Gaspar Simões tivesse influência determinante nessas coisas tinha ele tratado de si; e o certo é que já ninguém se lembra dele.
Mas que dá que pensar, lá isso dá. Lembrei-me várias vezes nos últimos tempos, a este propósito, de Joaquim Paço d’Arcos. Morreu há pouco mais de vinte anos. Os livros nem são difíceis de encontrar. Porém, o escritor que durante décadas tinha tido os favores da popularidade sempre do seu lado, mesmo quando a crítica não estava, desapareceu de todo.
Ninguém conhece, ninguém lê, ninguém fala. Como hipótese, penso que talvez isso se deva ao desaparecimento da própria classe social que Paço d’Arcos representava, descrevia e para quem em grande medida escrevia - e o consumia.
Hoje não existe aquela burguesia e aristocracia letradas que o autor da “Crónica da Vida Lisboeta” foi pondo em cena nas suas obras. Desapareceu, na voragem do tempo, e o que dela resta faz gala em não saber ler. Ou caiu tanto que compra Margarida Rebelo Pinto, de mistura com a “Caras”.
Outra hipótese será realmente a pouca valia do autor; mas por aí não me meto, que são cavalarias para que não me encontro habilitado.
Mas quanta veneração chegou a ter Paço d’Arcos! Quando encontro uma senhora de nome Ana Paula lembro-me sempre do escritor, e nunca deixo de me perguntar se também ela deve o nome ao romance.
Nem essa herança de Paço d’Arcos é conhecida: o nome Ana Paula agora é banal e vulgarizado, como Maria de Fátima. Porém, enquanto uma Maria que é de Fátima tem a ideia que o seu nome assinala qualquer coisa ali para os lados da Cova da Iria não há já nenhuma Ana Paula que saiba que o seu nome entrou em força nas Conservatórias por causa de um romance agora desconhecido.
Passaram sessenta anos; tempo suficiente para a consagração ou o esquecimento. O extraordinário impacto de “Ana Paula” na sociedade lisboeta daquela época diluiu-se no esquecimento total.
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