O aborto estético
Anos depois de ter conhecido o aborto ideológico, travei conhecimento com o aborto estético. Este não tinha a face hedionda da megera intelectual, mas o rosto bonito de uma jovem (donzela não digo) nascida das melhores famílias e frequentando distinta universidade privada.
Falava-se em grupo, por entre risadas despreocupadas, dos problemas mais prementes, fossem os da moda fossem os da última ida à discoteca mais badalada. E intrometeu-se não sei porquê esse tema do aborto. A elegante e promissora menina de sociedade, das que aparecem nas capas das revistas, fez um ar sinceramente alarmado e exclamou no tom que imaginam: "eu, mãe!!! Credo!!! E a minha cintura?!!!!”
As demais circunstantes, meninas todas saídas da mesma forma, riram compreensivas e concordantes.
Fiquei a meditar no assunto. Não, o problema da incriminação do aborto nada tem a ver com as mulheres pobres e desgraçadas que em desespero o praticam. Essas só são chamadas à conversa em alturas de campanha. E nunca por elas próprias o desejarem. Aliás, elas não estão confundidas sobre os valores, e não se orgulham do feito, nem o encaram como uma causa a defender.
O problema do aborto prende-se com aqueles para quem por uma razão ou por outra o feto humano tem menos valor do que um ovo de perdiz, um ninho de andorinha, um rebento de azevinho, ou um touro de Barrancos – entidades defendidas com muito maior comoção e vigor.
A natureza criminosa do aborto tem que ser consignada na lei penal. Não porque isso constitua obstáculo decisivo à categoria de pessoas acima referida, que provavelmente sempre o poderão fazer, mais ou menos às ocultas, aqui ou no estrangeiro, sem que se torne efectiva a punição (judicial).
Mas pelo menos para que esse comportamento nunca possa ser apresentado como lícito, e desse modo banalizado e legitimado – cumprindo-se ainda assim uma função essencial própria da lei penal.
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