segunda-feira, dezembro 22, 2003

O Partido Liberal

Continuando a pescar no famoso relatório oficial da comissão de investigação aos acontecimentos de 28 de Setembro, copio hoje as referências feitas ao único partido que até agora usou em Portugal o nome de Liberal. Durou uns escassos meses, em 1974, porque o MFA tratou logo de o “desmantelar” (é a linguagem oficial; significa que todas as suas instalações, bem como as moradas conhecidas dos seus responsáveis, foram ocupadas e pilhadas em operação militar organizada, e os ditos responsáveis, reais ou presumidos, que não se pisgaram a tempo para a estranja, foram direitinhos para Caxias, conhecer as vistas do Tejo).
Agora os riscos da designação são notoriamente menores, felizmente, embora ainda haja quem se queixe.
Vejamos então os horrendos crimes que puderam ser assacados à referida “associação de malfeitores” (também é linguagem da época; foi figura jurídica que bastou para levar para a cadeia centenas e centenas de portugueses, a generalidade deles sem perceberem porquê).

“13. Partido Liberal
Nascido de uma cisão verificada na Convergência Monárquica, cuja ala mais reaccionária passou a agrupar, o Partido Liberal teve uma existência apagada até Agosto.
Funcionando nas instalações da SINASE - Sociedade de Investigação Aplicada ao Serviço da Empresa, S.A.R.L. - a qual se dedica à prestação de serviços de vária ordem a empresas nacionais e estrangeiras e cuja administração era presidida por António Ávila, que vai aparecer igualmente no Directório e na Comissão Executiva do partido, este agrupamento possuía escasso número de filiados.
Nos finais do mês de Julho, num comício que o Partido Liberal levou a efeito no Teatro São Luís, em Lisboa, fez a sua aparição política pública José Harry de Almeida Araújo – espécie de arquitecto muito rodado nos circuitos sociais da grande burguesia nacional e internacional, o qual, levando uma vida faustosa, suportada com avultados meios, a garantia através de múltiplos expedientes, nomeadamente sucessivos casamentos.
Tendo vivido mais de vinte anos em países estrangeiros, Almeida Araújo estreara-se, por essa altura, nas páginas da imprensa portuguesa, publicando no "Expresso" (27/7/74) um texto virulentamente anticomunista intitulado "Não somos todos camaradas somos todos portugueses". Foi ele também quem iniciou a campanha de cartazes com dizeres extremamente reaccionários, mandando imprimir grande quantidade a expensas suas, denunciados oportunamente na imprensa diária, designadamente no "Diário de Notícias".
Não se conhece qualquer facto que revele anterior inclinação de Almeida Araújo para o activismo político; mas na sequência - pelo menos lógica - da sua intervenção no citado comício, surge no Partido Liberal, acompanhado por António Luís Marques de Figueiredo, Tenente-Coronel da Força Aérea na situação de reserva, propondo-se tomar conta da respectiva direcção.
Rapidamente integrados na Comissão Executiva do partido, onde é atribuída formalmente a Almeida Araújo a propaganda e a imprensa e ao Tenente-Coronel Figueiredo a gestão financeira, estes dois elementos vêm emprestar ao agrupamento toda uma dinâmica. Despesas consideráveis, na inexistência de qualquer montante significativo obtido pela quotização dos filiados, passam a ser satisfeitas por "apports" aparentemente pessoais do último. Homem de recursos vastos, o Tenente-Coronel Figueiredo, para além das posições que deteve ou detém noutras empresas, era administrador da "NAVEX" e da "TRÁFEGO E ESTIVA", de que é proprietário em sociedade com o alemão Scheder.
Partido híbrido, sem uma definição clara das suas linhas programáticas, embora norteado por uma orientação fascizante e profundamente antimarxista, pretendendo organizar-se num esquema de empresa de serviços adaptada à legislação referida a partidos para facilitar a adesão de “capacidades alérgicas à política”, contando com um Directório Nacional composto por indivíduos relativamente pouco conhecidos, em que se salientavam, além dos já mencionados, Gastão Caraça da Cunha Ferreira, psicólogo-pedagogo, José Cabral, médico, Luís Alberto Vinhas Frade, estudante universitário, e Osvaldo Eurico Aguiar, advogado, o Partido Liberal viria a ser o centro e o grande coordenador de toda a manobra do “28 de Setembro” nas suas implicações civis.
O Partido Liberal mantinha ainda discretas relações com Duarte Pio de Bragança. Este, numa viagem que fez pela Ásia, África e América em Maio, Junho e Julho de 1974, ao mesmo tempo que ia descobrindo negócios para a SINASE, com a qual estava relacionado, cuidava da promoção externa do Partido Liberal e estabelecia contactos pessoais de natureza mais reservada. Assim, em Cabinda avistou-se com Alexandre Tati e com Tiago Nzita, vice-presidente da FLEC, que convenceu a virem a Lisboa, encarregando Fernando Pacheco de Amorim, dirigente do Partido do Progresso, de lhes marcar uma entrevista com o General Spínola, mas sugerindo igualmente que fosse o Partido Liberal a apresentar tais indivíduos como seus hóspedes”.


E não há mais nada: foram estes os delitos!