Orlando Vitorino
Ao aludir há umas horas atrás a Orlando Vitorino, a propósito dos “Princípios de Filosofia do Direito” de Hegel, que ele traduziu e prefaciou, estava longe de saber que o Orlando faleceu no Domingo passado, em Lisboa. As notícias chegam tarde ao meu casulo.
Descobri há instantes, ao navegar pela rede. E não sei como transmitir o complexo conjunto de sensações e pensamentos que me assaltam.
Creio que domina uma impressão de amargura e perda, e já também de nostalgia saudosa. O Orlando era um dos mais vivos e originais pensadores do seu tempo, uma personalidade vigorosa, rica e multifacetada, um homem de cultura e saber, um português dificilmente substituível.
A última vez que o encontrei pessoalmente foi na “Mimosa do Camões”, num daqueles jantares que o incansável António Quadros promovia periodicamente em prol do convívio e da filosofia. O António pairava sobre tudo, certificando-se discretamente se todos se sentiam bem, no seu jeito afável e afectuoso. Os jantantes iam-se embrenhando mais ou menos acaloradamente nas discussões cruzadas que surgiam.
Por ter ficado perto dele fiquei longo tempo a conversar com o Orlando, exercício que uma vez começado ameaçava não acabar mais. Era um conversador fascinante, ele só uma tertúlia inteira. Lembro-me do seu sobressalto de surpresa e de agrado por eu, tão jovenzinho, conhecer o "Alentejo não tem sombra”, talvez o mais belo filme realizado sobre o Alentejo. “Mas onde é que você viu isso?!!”
Homem de cinema, aproveitou para queixar-se com mágoa do que acontecera a outro filme que se tinha empenhado em realizar – “Tonga Tabu” – e que nunca chegara à exibição pública, no seu entender por boicotes vários imputáveis aos controleiros da cultura.
Homem de teatro, expunha-me a sua tese confidencial de que o grau de civilização de um povo pode avaliar-se pelo nível do seu teatro.
Homem do pensamento, entusiasmava-se a falar das suas causas de sempre, a Filosofia Portuguesa, Leonardo Coimbra, Álvaro Ribeiro ...
Eu tinha começado a ler tudo o que apanhava do Orlando Vitorino ainda muito mais novo, na altura da publicação da “Escola Formal”, a revistinha com o nome emprestado a um livro de Álvaro Ribeiro. Depois, bichinho de alfarrabista que eu era então, fui reunindo as obras dele, desde que surgira em letra de forma, ainda estudante de Letras, com a “Fenomenologia do Mal”.
Aí por 1980 tinha-o acompanhado também na memorável campanha para lançamento da sua edição e tradução de “O Caminho Para a Servidão” de Friedrich Von Hayek, que incluíra trazer a Lisboa o velho filósofo, com sessão solene no Grémio Literário (sobre isso já aqui falei, em postal que ficou esquecido lá nos primórdios do blogue).
Tinha acompanhado também o entusiasmo e a energia da edição da “Refutação da Filosofia Triunfante”, o mais emblemático e conhecido dos seus livros.
Tinha acompanhado depois a epopeia divertida da sua candidatura à Presidência da República, em nome da Filosofia e da Pátria.
Durante muito tempo tinha-o encontrado com regularidade semanal nas conferências e debates que o António Quadros, sempre ele, organizava no IADE. Chegávamos ao Largo Barão de Quintela, onde a estátua de Eça de Queiroz nos apontava com a mão estendida a entrada do palacete onde as aulas tinham acabado, e subíamos a escadaria até aos altos, onde o anfitrião nos aguardava e deliciado abria as hostilidades, que não raro se prolongavam acirradas até horas impróprias.
Ainda haverá trinta ou quarenta portugueses que percam o sono a discutir filosofia?
O Orlando costumava dizer que calculava que houvesse aí uns quinhentos que liam ...
1 Comments:
Caro, Manuel.
Gostaria de falar consigo. Se não tiver forma de me enviar o seu contacto, sugiro que se registe na Leonardo online.
Francisco
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