Os velhos
Antigamente o Natal era o tempo dos avós. Eles dominavam, ao centro de tudo. Unia-se então a cadeia das gerações.
Avós, bisavós, netos, bisnetos, muitos, na celebração da vida que continuamente se renova.
Agora existe apenas uma solicitude suspeita em relação às poucas crianças existentes. Estas reinam, veneradas por todos os rituais do consumismo.
Os avós desapareceram. Foram arrecadados em escusos e distantes lares. Têm direito a uma visita rápida e envergonhada.
Hoje a camada mais frágil e desprotegida da sociedade está aqui: são os velhos.
Pudicamente designados de terceira idade, como se houvesse outra idade a seguir-se a essa, os velhos foram afastados do convívio dos outros. Nas casas não cabem. Os filhos não têm tempo. Os netos não chegam a conhecê-los.
Aparecem na televisão os que podem fingir a juventude: o octogenário que anda de bicicleta, os septuagenários que casaram na capela do asilo, a classe de ginástica onde a média de idades é setenta e dois anos, o grupo de teatro da terceira idade.
Não os outros. Os que são todos os dias abandonados nos hospitais, porque ninguém os quer. Os que jazem encaixotados em recolhimentos improvisados, à espera da morte. Os que passam fome. Os que são vítimas de todos os maus tratos, físicos e psicológicos. E não se queixam, por que não podem, e ninguém o fará por eles.
Aqueles, e são tantos, a quem até as poucas economias e reformas são desviadas para sustentar o padrão de consumo dos filhos.
Nas sociedades contemporâneas os velhos formam hoje um enorme continente invisível, olhado com embaraço e vergonha – e medo, porque todos se antevêem ali, num mundo virado para a religião da juventude.
Não há declarações de direitos dos velhos, nem associações de protecção ao idoso, nem se fazem campanhas de alerta e prevenção a favor deles. As crianças, as que nasceram, essas sim: para elas se concentram todas as atenções, com sinceridade ou hipocrisia. Deve ser do medo.
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