quinta-feira, janeiro 29, 2004

Gente Fina

De vez em quando lembro-me do suspiro fundo do Prof. Martinez quando lhe apareciam esforçadamente a papaguear sebentas certas meninas da Faculdade: - "mas, com os atributos que a natureza lhe deu, para que quer ela estudar Direito..."
Uma das colegas que me recorda o desabafo é a deputada Teresa Morais, não sei se ainda Melo ou já não Melo, ornamento vistoso do social-civilizadismo PPD.
Agora a senhora deputada foi visitar uma cadeia do Norte e à saída, chocadíssima, claro, que lá no meio que ela frequenta nunca se tropeça em coisas assim, vá de desabafar com os jornalistas.
Mas acontece sempre o mesmo quando a direita radical-chic tenta formular uma ideia: esta sai muita parecida com os habituais slogans do Bloco de Esquerda.
A senhora deputada, evidentemente, está preocupadíssima com o desproporcionado número de presos existentes em Portugal, pais onde, segundo a informam, a taxa de criminalidade é das mais baixas da Europa mas a taxa de encarceramento é das mais elevadas (ouve-se isto em todos os debates televisivos, não há jornalista nem papagaio que não o saiba repetir, com ar profundo e grave).
Claro que não lhe ocorre pensar na relação entre um e outro indicador: provavelmente se for reduzido o número de presos para metade, o que é fácil decidir na Assembleia, a taxa de criminalidade poderá em poucos meses subir para o dobro.
Qualquer desses indicadores é tão manipulável que não significa nada, nem esclarece nada sobre a situação real.
Os presos estão lá porque geralmente não há outra solução: o sistema não disponibiliza outra alternativa, e se não for aplicada essa eles também não têm cá fora alternativa senão continuar a carreira. São em geral criminosos de repetição, como se constata se for verificada a taxa de reincidência, ou conhecidas as realidades sociais a isso ligadas. A doença não está ali, é muito mais grave, e está a montante...
Pois sim... sabe lá da realidade social a senhora deputada! A explicação que ela encontrou para a tal anomalia é simplesmente que os juízes estão possuídos por "uma cultura judiciária virada para encher prisões". Nem mais. Os juízes é que deliram a prender gente. Na imaginação dela os juizes têm uma espécie de quadro de honra para distinguir quem prende mais. E rebolam-se de gozo quando podem dizer a um colega: - "O quê? Só prendeste cinco hoje? Pois fica sabendo que eu mandei hoje quinze para a choldra!"
Portanto, a solução que a senhora deputada deixa entrever para os nossos problemas prisionais está à vista: é preciso trocar os juízes. Por outros, com outra "cultura judiciária", bem diferente da condenada. E, suspeito eu, de preferência empossados pelo Ministro da Justiça e nomeados por uma comissão parlamentar.
Depois, evidentemente, esvaziar as prisões, sermos um país moderno e progressivo, com uma população reclusa reduzida ao mínimo.
Saberá a senhora deputada o abismo que a separa da massa dos seus eleitores? Não sabe, certamente. Ela nem anda de metro porque não suporta o cheiro a sovaquinho.