sexta-feira, fevereiro 20, 2004

ARTES DE CAVALGADURA

1 - Pega-se em tintas de várias cores e espalham-se sobre a paleta. Pranta-se uma tela sobre um cavalete ou mesmo noutro sítio. Recua-se dois passos, contempla-se a tela vazia e, sacudindo a cabeça como quem deita para trás a gaforina, sai-se para qualquer café a conversar com colegas a propósito dos benefícios do modernismo. Volta-se para casa e faz-se uma carga sobre a tela e a paleta. Em gesto largo pega-se no pincel e com gestos miudinhos e velocíssimos parte-se da paleta para a tela e risca-se, mancha-se, divide-se, reparte-se, rabisca-se. Os ignorantes e os muito exigentes dirão que ficou uma borrada. Mas não. É um quadro abstracto da nova e esperançosa geração. Esta é a arte de pintar sob uma sela.
2 - Arranjam-se adjectivos e substantivos bonitos. Alguns pouco usados. Alguns verbos sugestivos. Depois, arranja-se um assunto "forte": a miséria do povo, o trabalho explorado, a opressão contra a "liberdade" (perdão! contra a "consciência humana"). Mistura-se tudo muito bem. Bate-se até fazer espuma. Quem estiver muito raivoso por lhe faltar a inspiração e o talento pode bater não só na tirania fascista e na sociedade ocidental, mas também no que ou em quem lhe estiver à mão de semear. Pode bater na secretária (qualquer que seja). Evite bater com a cabeça nas paredes. Leva-se todo este realismo (novo) a cozer ao lume do esteticismo. Serve-se a um pato. Esta é a arte de bem cavalgar sob uma sela, nas planuras do romance.
3 - "Fenomenologicamente situado em face do ser o autor diflue as super-estruturas da herança metafísica e, em símile espirálico, denuncia as reminescências nomenais do sub-consciente integrado": - Trecho duma crítica literária. Esta é a arte de fazer do ofício crítico uma sela.