Avestruz Lírico
O título "Avestruz Lírico" pertence a um livro de António Manuel Couto Viana, que assim orgulhoso se apresentou na arena literária, em deliciosa ironia desafiando os ditames do neo-realismo então pesadamente dominante.
E de avestruz lírico me apetece também vestir-me, quando a crueza da realidade envolvente impele à fuga e à evasão libertadoras.
Hoje, em novo acesso de lirismo, tenho um outro poema do Conde de Monsaraz, notável pelo poder descritivo e evocativo da cena campestre que descreve, e, como todos os sonetos, que devem valer pelo último verso, sobretudo por aquela inquietação final, quanto à alma ...
Por mim confesso que nunca resisto a pensar, ao lê-lo, que já tenho ficado a interrogar-me se alguma alma existirá por trás dos olhares bovinos de certas alimárias ...
Os Bois
Na doce paz da tarde que declina
Após a faina sob um sol ardente,
Vão os bois recolhendo, lentamente,
Pelas vias desertas da campina.
Atravessam depois a cristalina
Ribeira e ao flébil som da água corrente
Bebem sedentos, demoradamente,
Numa sensual rudeza que os domina.
Mas quando, fartos de água, erguendo as frontes,
Os beiços escorrendo, olham os montes,
E ouvem cantar ao alto os rouxinóis,
Eu fico-me a cismar, calado e triste,
Que um mundo de impressões, que uma alma existe
Nos olhos enigmáticos dos bois!
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