quinta-feira, fevereiro 05, 2004

CÂNTICO

Em cada flor
que dia a dia renasce,
o canto negro de uma saudade presente:
esta foi a carta escrita
ao amanhecer, depois do fuzilamento.
Uma bandeira desfraldada
crianças e crianças correndo,
os amados amando-se,
os anciães rindo e sorrindo
– na palma da mão,
o testemunho imenso e vermelho,
que não morre:
essa foi a cidade de todos os tempos,
o amor e o canto das bocas sadias,
a espuma de toda a ondas,
o mar de toda a navegação.
(Onde está a barca da alegria,
dos amantes amados,
das crianças e jovens mulheres
de todas as idades? Onde está?
Onde dorme a barca das manhãs dispersas?)
Dia a dia, renascem os beijos dados à noite, em Toledo.
Meu caro Amigo, eu vou morrer,
mas comigo levo a luz de Abril e as flores de Maio,
e as medalhas dos camaradas mortos em combate.
(Oh, como o tempo passa!)
Ao lado de cada flor da manhã,
uma camisa negra aguarda o corpo do mundo.


JOSÉ VALLE DE FIGUEIREDO