A "maioria silenciosa"
Mudando de tema, mas ainda como estímulo aos autores desse blogue, e a outros que queiram pegar nos assuntos relacionados com a história da sociedade portuguesa nas últimas décadas, vou lançar mão uma vez mais do relatório oficial sobre a inventona do 28 de Setembro de 1974, acontecimento que, como já expliquei, entendo que marca um momento crucial, que condicionou todas as evoluções políticas posteriores, até ao presente.
Transcrevo a passagem em que procura sintetizar-se o que foi o aparecimento e a curta vida do conceito de “maioria silenciosa”, imagem e mito político mobilizador então tornado famoso – embora com fracos resultados operacionais.
“Temos, portanto, neste ponto, que parte das forças reaccionárias se procuraram aproveitar das liberdades concedidas pelo novo regime democrático, instaurado com o 25 de Abril, organizando-se em partidos.
Mas não só - já em 10 de Julho de 1974, uma delegação representativa do Movimento Federalista Português, do Partido Trabalhista Democrático Português, do Partido Liberal e do Movimento Popular Português foi recebida pelo General Spínola, a quem fez a entrega de um documento em que se definia a sua posição conjunta perante o momento político que se vivia. Nele se podia ler:
"Por circunstâncias resultantes do processo revolucionário subjacente à tentativa de normalização da vida nacional, estão estas correntes sistematicamente isoladas do diálogo com o poder, sendo objecto de um tratamento discriminatório a todos os níveis que supõe o desconhecimento aparente da sua própria existência como movimentos políticos organizados (...). A grande maioria do País tem sido silenciada pela actuação unilateral das forças a quem foi confiada a gestão dos negócios públicos nesta fase transitória. Queremos que essa maioria se torne participante, porque nela residirá fundamentalmente o apoio e a legitimação aos actos do Poder"
15. Foi essa, talvez, a primeira ocasião em que se falou de "maioria silenciosa" em Portugal no post-25 de Abril.
A expressão, ou a ideia que ela contém, viria pouco tempo depois a ser utilizada pelo Presidente da República, General Spínola, numa das suas alocuções, na seguinte passagem:
"Não tenhamos, a tal respeito, qualquer ilusão. Ou a maioria silenciosa deste País acorda e toma a defesa da sua liberdade ou o 25 de Abril terá perdido perante o Mundo, a História e nós mesmos o sentido da gesta heróica de um Povo que se encontrou a si próprio. E com esse desengano se esfumarão as nossas esperanças na democracia".
O falhado golpe do "28 de Setembro" viria a aproveitar-se, para a sua organização, de tal ideia.
Com efeito, em 9 de Setembro, numa reunião efectuada em casa de Sousa Machado e conduzida pelo ex-capitão miliciano Francisco Xavier Damiano Bragança Van Uden, ligado ao Partido Liberal por intermédio de Almeida Araújo, fica assente a realização de uma manifestação de apoio à pessoa do Presidente da República, constituindo-se desde logo a comissão que deveria aparecer como organizadora, a qual vem a integrar os nomes de António Peixoto da Costa Félix, Manuel João Pinheiro Ramos de Magalhães, José Filipe Homem Rebelo Pinto, António de Sousa Machado, Manuel Sotto Mayor de Sá Coutinho, além do referido Van Uden".
Acrescento eu de minha lavra que quem acordou foram ... os outros: ainda agora a propósito da morte de Kaúlza de Arriaga verifiquei que as ordens de captura (tenho fotocópia) foram assinadas a 27 de Setembro... o destino das movimentações políticas em referência estava portanto decidido antecipadamente. Na madrugada e no dia 28 de Setembro apenas foram executadas as ordens.
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