domingo, fevereiro 22, 2004

Um alentejano útil

Para falar de Luís Amaro nada melhor me ocorreu que a expressão de Bigotte Chorão, há uns anos, ao escrever sobre Giuseppe Prezzolini. Não porque entre o poeta de Aljustrel e o grande escritor italiano haja muitas semelhanças, mas há inegavelmente essa, a utilidade.
Luís Amaro é um homem discreto, tão discreto que poucos dos seus contemporâneos o conhecem, mesmo entre os frequentadores dos meios literários. E todavia poucos podem apresentar uma folha de serviços tão preenchida, um labor tão vasto e meritório sempre em prol da cultura, da literatura, e especialmente da poesia, seu terreno de eleição.
Luís Amaro é um autodidacta, feito na escola do jornalismo e do trabalho numa livraria e editora; mas desde o tempo da revista de poesia "Árvore", seguidamente da "Távola Redonda", que se assumiu ele próprio como autor, poeta de mérito que escolheu apagar-se para se dedicar inteiramente a um trabalho decisivo e essencial mas que só aos outros trouxe reconhecimento e notoriedade públicas.
Estou a referir-me à revista "Colóquio/Letras", da Gulbenkian, a que ele dedicou uma vida. Quantos ali publicaram sabem quanto devem a Luís Amaro.
Do poeta Luís Amaro, aqui fica um poema retirado do seu "Diário Íntimo".

Aceitação

Saudade que flutua,
Indecisa, em minha alma ...
Vaga sombra que não sei
E me anoitece.

Miragem pálida, esbatida
Pela melancolia ...
Que quereis da minha vida,
Tenuíssima alegria?

Passas por mim, tentando
Dissuadir penumbras ...
Passas por mim, cantando,
E teu canto entristece
Mais o sossego brando
Em que me enleio ...

E fico ouvindo a voz
Inebriante e bela.

E penso em mim. Do passado
Ressuma humilhação.
Quanto sonho frustrado,
Mãe!, quanta decepção ...

Penso em mim. Do presente
Frieza, solitude ...
Tédio por esta gente
Fútil e hostil e rude.

- Não desespero. Faço
Do abandono a estrela
Que, alando-me, liberta
Este destino baço.