quinta-feira, março 25, 2004

Desculpas

Dizia Luís António Verney, no “Verdadeiro Método de Estudar”, que não podia sofrer um poeta que ao começar um poema logo invocasse as Musas e Apolo para lhe inspirarem os pensamentos, ou que não passasse sem mandar Mercúrio com algum despacho de importância, ou convocasse Minerva a exercer funções de conselheira, ou chamasse Plutão a vir lá do Inferno para agitar alguma discórdia ou inimizade, ou que não visse tempestade em que não pusesse Éolo a fazer das suas.
E concluía que um furioso vento pode fazer o mesmo espalhafato em uma armada que Éolo com todas as suas Fúrias, e para dar razão de uma batalha perdida é mais natural e verdadeiro recorrer à pólvora, às balas e à prudência do general do que ao Destino ou ao Fado, que são palavras sem significado.
Queria ele dizer-nos, fundamentalmente, para além da necessidade de ultrapassar essa carga excessiva de Antiguidade Clássica que pesava ainda sobre a literatura da sua época, que para explicar as coisas nada melhor do que a luz crua da realidade, tal como a vivemos e experimentamos. “O poeta mostraria mais engenho se ele fizesse os seus versos, do que pedindo a Apolo que lhos inspire”.
Serve isto à maravilha para embelezar a minha explicação sobre a ausência de ontem. Com efeito, e usando de sinceridade completa, não tive tempo para me lembrar de nada que pudesse escrever e publicar aqui para regalo dos meus fiéis leitores; e quando tive o tempo também nada me veio à lembrança que pudesse suprir o esquecimento. Esforçar eu esforcei-me, mas fiquei sempre assim, exausto e estéril, incapaz de alinhavar uma ideia que seja.
Mea culpa, mea maxima culpa. O certo é que, falho de tempo e de inspiração, ou tão só de inspiração, nada escrevi e nada publiquei. Alguém terá perdido alguma coisa com isso? Certamente eu, que já estava habituado a este conforto familiar do desabafo com os amigos. Afinal sempre existe calor na frieza cibernética da rede.
E queira a Fortuna que a manhã enfim me traga esperança de algum contentamento.... Que por ora estou como Frei Agostinho da Cruz: “os dias mais fermosos amanhecem,/ Não para mim, que sou quem dantes era.// Espanta-me o porvir, temo o passado; /A mágoa choro de um, de outro a lembrança,/ Sem ter já que esperar, nem que perder.// Mal se pode mudar tam triste estado; / Pois para bem não pode haver mudança, / E para maior mal não pode ser".