domingo, março 14, 2004

Eleições em Espanha

Triste legado político, o de José Maria Aznar. Fosse por mérito próprio ou por acasos do destino, ou pela conjugação dos dois factores, chegou a ter a Espanha na mão; chegou a ter a oportunidade histórica de deixar uma Espanha mais unida, mais próspera, mais presente e prestigiada internacionalmente, dotada de condições de governabilidade estável através de um partido claramente maioritário, quase hegemónico dado o esgotamento visível do socialismo, o afundamento do comunismo, a estagnação e contenção dos separatismos.
O seu maquiavelismo pequenino e de vistas curtas acabou por deitar tudo a perder. Deu nova força ao socialismo, ressuscitou o comunismo, forneceu novo alento a todos os separatismos, dividiu dramaticamente os espanhóis.
Sem em troca ter obtido nada daquilo que os seus cálculos mesquinhos julgaram conseguir como apoteose para a posteridade. Imaginou ele que fazendo de figurante principal em empreendimento que sempre lhe foi estranho nem corria risco de maior (invadir e dominar um Iraque esgotado e desarmado por anos e anos de isolamento seria uma brincadeira para os mais poderosos exércitos do mundo) e poderia alcançar sucessos que a diplomacia espanhola há décadas perseguia como sonhos inatingíveis. Os americanos e os ingleses, mestres na hipocrisia, usaram-no para as suas próprias conveniências, deixando-o figurar na fotografia entre os grandes, como se fosse grande também. Mas depois não lhe cederam um milímetro na questão de Gibraltar, nem acederam a colaborar no desmantelamento da ETA (que não poderia sobreviver caso os serviços secretos de quem pode resolvessem fechar-lhe a loja), nem lhe deram apoio decisivo nos litígios com Marrocos, antes forçando a conciliação contrafeita.
Entretanto, o pior aconteceu - de forma violenta e inesperada, contra todas as previsões. Só que governar, como dizia o outro, é prever. Ou, como dizia um dos nossos, não se pode louvar governante que diga "não cuidei".
Agora, José Maria Aznar vai retirar-se envegonhadamente, deixando nas mãos do pobre sucessor que indigitou para o PP, um tal Rajoy só conhecido por ser homossexual e medíocre, uma tarefa que visivelmente excede as suas capacidades.
O mais fidedigno retrato do legado político de Aznar está na descrição que faziam hoje as agências da votação dele e da mulher. Desceram ambos do automóvel, de rostos crispados. Assim que os presentes os viram começaram as manifestações, uns a gritar-lhe apoio outros insultando o casal durante todo o tempo que demoraram a votar e a regressar ao carro. E lá partiram os dois, ele de gravata preta e cenho carregado, ela lavada em lágrimas.
Segundo as notícias, Ana Botella chorou o tempo todo desde que desceu até que reentrou no automóvel.
Quando eles se afastaram, os circunstantes, opostos e inimistados em tudo, continuaram a confrontar-se em violentas trocas de palavras, aqui e além acalmadas pela polícia.
Magnífico quadro da situação política espanhola. Que Deus ajude a Espanha.