sexta-feira, março 19, 2004

Espelho meu

E neste reflexo narcísico viro-me para um poema de Manuel Bandeira, que também se lastimava com ironia de nunca ter deixado de ser um provinciano. Calculo que não lhe faltasse a hostilidade do pessoal cosmopolita e civilizado lá da terra dele.

Auto-retrato

Provinciano que nunca soube
Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;

Poeta ruim que na arte da prosa
Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crónicas
Ficou cronista de província;

Arquitecto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia
Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,

Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico profissional.


Manuel Bandeira