Evocação de Perdigão Queiroga
A lembrança da Semana Luso-Espanhola de Cinema falada no postal anterior ficou para mim sempre associada ao desaparecimento de Perdigão Queiroga. Eu conto.
O António Lopes Ribeiro tinha programado para a sessão de terça-feira dia 13 de Maio de 1980 a apresentação de “Fado”, o filme mais representativo da obra de realizador de Perdigão Queiroga. E planeara com a afectividade que também o caracterizava homenageá-lo nessa ocasião, festejando-o pelo filme e pelo aniversário – tinha reparado que ele faria anos na segunda-feira dia 12 de Maio.
Mas Perdigão Queiroga já não completou 65 anos. Foi a enterrar no sábado, 10 de Maio, após missa de corpo presente em São João de Deus, em cerimónia oficiada pelo saudoso Padre Teodoro. Tinha falecido num violentíssimo acidente de automóvel, na estrada de Alcoentre.
A exibição do “Fado”, poucos dias depois, decorreu assim no sentimento doloroso daquela ausência imprevista, bem presente nas palavras comovidas de António Lopes Ribeiro. Recordo bem a emoção sincera, a mágoa profunda do António perante aquela brutalidade do destino. Era uma amizade de 45 anos!
Falemos então de José Manuel Perdigão Queiroga. Nasceu em Évora a 12 de Maio de 1916 - era alentejano dos quatro costados. Posteriormente a sua vida iria decorrer longe do Alentejo, como também acontece à maioria dos alentejanos.
O seu primeiro trabalho no cinema foi como ajudante de operador de Isy Goldberger na filmagem da “Revolução de Maio”, de Lopes Ribeiro, em 1936. Continuaria depois a trabalhar nas “Produções A.L.R.”, colaborando em inúmeros filmes, documentários e de ficção, bem como reportagens, em Portugal e no estrangeiro, com realização ou produção de ALR. Seria essa a base da sua aprendizagem. Mas o propósito de aperfeiçoamento técnico levou-o aos Estados Unidos, onde trabalhou como operador e montador na “Pathé News” e na “March of Time”, decorria então a Segunda Guerra Mundial.
Após regressar a Portugal viria a ter a sua consagração como realizador ao dirigir em 1947, para a “Lisboa Filme”, o célebre “Fado, História de uma Cantadeira”, com Amália Rodrigues, Virgílio Teixeira e Vasco Santana. Esta permanecerá para sempre a sua obra máxima, e um marco do cinema português, quanto mais não fosse pela importância que teve na carreira de Amália (e também de Virgílio Teixeira, já agora). Foi um sucesso a nível de popularidade, e ainda hoje contém alguns dos momentos marcantes do cinema português (a interpretação de “Barco Negro”, ali estreado, é arrepiante de beleza, aquela beleza que só Amália podia transmitir – contaram-me que a cena da casa de fados, onde o público adere arrebatado perante aquela canção nova e estranha, não precisou de ser representada: as pessoas que estavam ali para a representar espontaneamente reagiram assim).
Depois do êxito de “Fado”, Perdigão Queiroga criou nos anos cinquenta a sua própria empresa, e o seu próprio estúdio. Viria a dedicar-se durante anos à realização de documentários e reportagens. Entre 1958 e 1961, substituindo Lopes Ribeiro, dirigiu as actualidades cinematográficas do Secretariado Nacional de Informação, denominadas “Imagens de Portugal”.
Entretanto tinha continuado a marcar a sua presença na longa metragem de ficção, embora nunca voltasse a atingir o êxito do primeiro filme. Foi o realizador de “Madragoa”, em 1950, “Sonhar é Fácil”, em 1951, “Os Três da Vida Airada”, em 1952, e “Planície Heróica”, em 1953 (repare-se na continuidade, quatro filmes em quatro anos, que julgo caso único entre os cineastas portugueses). Depois realizaria uma versão de “As Pupilas do Senhor Reitor” (1960), e ainda “O Milionário” (1962), e “O Parque das Ilusões” (1963).
Ao todo, realizou no género documental, desde "Caparica, Praia de Sol", em 1938, até "Os Lobos", em 1978, um total que atinge dezenas de títulos. Fundou e dirigiu também um semanário cinematográfico, o “Visor”, nascido em 1961.
Mas posteriormente a 1963 não voltou à ficção: a crise era geral. Passou os anos que se seguiram a produzir exclusivamente documentários, actualidades, filmes publicitários, no âmbito da sua actividade empresarial. E na sua empresa viria a ser apanhado pela demência revolucionária, sendo tal como outros expulso do que era seu por alguns que tudo lhe deviam – porque era o patrão... E na sequência disso a empresa se afundou, em ruinosa gestão dos novos patrões.
Foi na luta para reconstruir a sua vida, trabalhando com denodo, que viria a morrer ao volante do seu automóvel, esmagado por um camião, nessa fatídica noite de 8 para 9 de Maio de 1980.
Perdigão Queiroga permanece sem a consagração e o reconhecimento que merece, sobretudo na sua terra. Onde tantas nulidades são nome de rua.
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