sexta-feira, março 19, 2004

Liberdades poéticas

Quando falo de Guerra Junqueiro vem-me logo à cabeça a marca de polémica que o acompanhou durante toda a sua vida e mesmo bem depois da sua morte. Desde que surgiu na arena poética, ainda em Coimbra, logo se manifestou esse sinal que havia de estar ligado à sua pessoa e à sua obra para sempre: uma viva divisão, a feroz oposição entre a idolatria de uns e a aversão radical de outros.
Para alguns dos admiradores mais entusiastas Junqueiro era uma expressão tão elevada da poesia do seu tempo que logo o apresentaram como o novo Camões. Para outros, mais ligados a outras formas estéticas e mais afastados do revolucionarismo republicano, o jovem vate era pouco mais que uma imposturice.
Foi nessa fase que surgiu publicada uma versalhada que procurava pôr a ridículo, em quadras jocosas, a figura do exaltado ídolo. Saiu ao que penso em revista dirigida pelo poeta minhoto João Penha e da responsabilidade deste.
Daquilo que me lembro é da apresentação sarcástica do alvo:

Em Freixo-de-Espada-à-Cinta
Nasceu o novo Camões
Sua mãe, Dona Jacinta,
Negociava em melões!


Claro que nem a mãe de Junqueiro se chamava Jacinta nem tinha comércio de frutas. São liberdades poéticas e exigências de rima. Mas o poema gozão correu célere e fez bom sucesso.
E agora me lembro que essa tendência para os superlativos deve ser uma mania da esquerda coimbrã, que ciclicamente se repete: por meados da década de sessenta do século passado foi corrente por lá erguer pomposo pedestal e proclamar, coroa de louros na mão, o Manuel Alegre como "o Camões lírico do século XX". Estou daqui a ver quem de certeza que se lembra...