terça-feira, março 23, 2004

Política Internacional

A América atingiu a sua fase de Império. E pelas contingências da História tornou-se a única superpotência. Tudo leva a crer que essa situação se irá manter, por tempo que não é possível calcular – o que se constata é que os outros rivais hipotéticos, os que possuem “massa crítica” (nomeadamente em termos de território e população) para aspirar a esse lugar, estão muito longe de reunir condições para assumir de imediato esse estatuto.
Não têm poder económico que se assemelhe ao americano, continuando muito atrás em termos de desenvolvimento, e consequentemente não podem pensar em ter poder militar que se lhe compare. Este raciocínio aplica-se à China, à Índia, à Rússia. E não se aplica à Europa porque esta, para além de não ter poder militar, nem sequer tem ou se mostra que possa ter uma direcção política própria.
Sendo a única superpotência, a América cada vez mais tenderá a unificar contra si todos os ódios do mundo. Os fracos, os pobres, os deserdados, os oprimidos, os descontentes, todos os que têm razões e todos os que julgam tê-las, terão a tendência para exigir contas à América, para culpar a América, para se revoltar contra a América, que é rica e poderosa como nunca houve outra neste mundo.
E de facto contra a sua força não é possível combater de igual para igual, nenhuma batalha é possível seguindo as regras que são as do mundo onde a América domina. Os revoltados, portanto, ou se acomodam ou levam a revolta até às últimas consequências: num cenário destes o perigo das explosões terroristas estará sempre mais presente.
E o que há de novo neste terrorismo é o seu carácter global e universal. O inimigo é único, facilmente identificável, a existência do alvo comum e bem definido unifica a acção. Estaremos pois perante um fenómeno que não precisa de ser coordenado para estar coordenado. A guerrilha universal, como já lhe chamaram alguns teóricos, prescindirá de grandes organizações, de direcção centralizada, de articulação planeada ou de ligações institucionalizadas. Na verdade, dados os meios de vigilância que o Império possui, terá mesmo que prescindir dessas características sob pena de ser facilmente detectável e combatida. Ao contrário, tratando-se exclusivamente de pequenos grupos isolados e sem relação entre si, dotados apenas de uma vontade que não conhece limites e espalhados por todos os pontos do globo, constituirá uma força quase invencível.
Esmagado um núcleo outros subsistirão, por vezes onde menos se esperaria.
Perante isto, o que podemos prever? Deixando de lado o que só por artes de adivinho poderá ser previsto, pode dizer-se desde já muito claramente que neste panorama, em que a permanente ameaça do terrorismo e a obsessão securitária do Império tenderão a apertar-nos cada vez mais em movimento de tenaz, existirá cada vez menos espaço para o indivíduo, para qualquer ilusão de liberdade, privacidade ou autonomia, das pessoas ou dos colectivos. As belas ilusões como as codificações de Direitos do Homem, o Direito Internacional, o Direito da Guerra, todas as ideias e instituições que foram criadas para afirmar que há um direito para lá do que nasce da força, foram as primeiras vítimas do novo estado de coisas.
A realização prática da sociedade totalmente vigiada e onde a vontade do poder não terá qualquer limite jurídico encontrou o seu terreno ideal.
Poderá o futuro próximo ser diferente? Não creio. Como disse ao princípio, a América atingiu a sua fase de Império. Ora um Império perante qualquer desafio ou avança ou recua. Não há terceira hipótese. Qualquer contemporização, qualquer adiamento, serão sempre recuo mesmo que isso não seja notório de imediato. Com efeito, num combate em que uma das partes é infinitamente mais fraca se a mais forte concede tempo só a primeira pode ganhar com isso: o tempo que passar dá-lhe a possibilidade de subsistir, quem sabe de reforçar-se, de preparar-se, de agigantar-se.
Deste modo a direcção política da América oscilará sempre entre a tentação de avançar, utilizando de imediato todos os meios da sua força bruta para esmagar o desafio emergente, ou de procurar outra via de repor equilíbrios – mas nesse caso estará insensivelmente a recuar.
E não faltará nunca quem astutamente e por todos os meios lhe irá forçando a mão, aqui e acolá instigando os desafios e as revoltas, ou criando as condições para isso, e logo depois capitalizando a seu favor o conflito despoletado. O centro, como é sina também nos impérios, estará frequentemente a travar guerras em benefício de terceiros.