Sá de Miranda
Gosto muito de Sá de Miranda. Vou reler de vez em quando o que escreveu Sá de Miranda. Já aconteceu até sentir-me a duvidar da verdadeira antiguidade do autor - tudo me parece tão presente, tão verdade, tão actual, que me pergunto se o nome não será afinal um pseudónimo de algum nosso contemporâneo escondido.
Mas admitindo mesmo a realidade do poeta do século XVI, há que dizer: trata-se de um grandessissimo reaccionário (o primeiro dos nossos grandes reaccionários), um homem inconformado com o seu tempo, um revoltado contra os ventos da história, renegando todas as conveniências do momento. Hoje diriam que era politicamente incorrecto, e relegavam-no para todas as listas negras de impublicáveis.
Naquele tempo, há quatrocentos e tantos anos, insurgia-se contra o despovoamento e o abandono de todo o interior do país; contra o fim das actividades produtivas; contra a engorda artificial da Lisboa macrocéfala que nada produz, e que julga poder subsistir duradouramente ao cheiro da canela que de fora vem; protestava contra a cegueira da política da imigração/emigração, que fazia com que se fossem os de cá e se metessem no reino os estranhos, de modo a recear que em breve fossem eles mais que os naturais; desdenhava da política caseira, desprezando as "santidades da praça", que formam e deformam a opinião, sempre olhando para o lado donde lhes escorre o mel; alertava para Espanha, "gente ousada e belicosa", "presunçosa", "cobiçosa"; enfim, combatia as injustiças e imperfeições, certo de que "onde há homens há cobiça", bem longe dos consoladores enganos espalhados para benefício de alguns "enliçadores".
Não escondo que chego a identificar-me com Sá de Miranda, e com orgulho; sinto-me parecido com ele na minha incompatibilidade radical com a corte, aqui no meu afastado retiro alentejano, como o fez ele para as suas terras de Basto.
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