Solilóquio
"Quem esperamos?/ Quem?/ No silêncio, na sombra, no deserto?"
Santo António foi prégar aos peixes, porque os homens não o ouviam; e disso mesmo se lembrou o Padre António Vieira, quando em São Luís do Maranhão se sentiu em igual transe. Eu, que não sou prégador, muitas vezes me encontro deste lado a sentir-me tão mal entendido como tão ilustres vozes. Pode bem ser que os meus leitores tenham as qualidades que logo à partida o Padre Vieira atribuía aos peixes: ouvem e não falam. Mas estes meios modernos impedem-me até a visão e a sensação física da presença do seu auditório que ainda assim esses santos tiveram, embora se lamentasssem por outras fundadas razões. Eu estou aqui sempre sem saber se há alguém do outro lado; sem ter a certeza se a mensagem não se perde de todo nestas electrónicas ondas, como a garrafa que se lança ao mar.
Chegará a alguém que a entenda? Alguma alma gémea lhe estenderá a mão?
Há dias em que ecoam em mim os acordes de uma canção triste que cantávamos em tempos tristes, e todavia éramos jovens e sonhávamos: (....) "As almas esfriam/ Na noite assombrada/ Sedentas de tudo/ Já não pedem nada.// Nem mal que lhes doa/ Nem bem que as conforte/ São cordas vibrando/ Nos dedos da morte."
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