domingo, maio 16, 2004

Futebol

Hoje à tarde realiza-se a final da Taça de Portugal (de futebol, é disso que estou a falar). Só me dei conta disso devido à notícia da morte inesperada de um jovem futebolista - o segundo em pouco tempo. Será que há algum mistério com esses departamentos desportivos ultra-sofisticados que os grandes clubes possuem?
Não sei, mas não é nisso que vou falar. Com efeito, os temas que giram à roda do tema futebolístico enjoam-me. Passaram a enjoar-me mortalmente desde que constatei que nunca se fala de futebol nos locais onde é suposto ser esse o assunto: veja-se um programa de televisão que tenha como pretexto a jornada de fim de semana e verificarão que só se fala das arbitragens, dos negócios, das transferências, dos dirigentes, dos estádios, da publicidade - em suma, de uma vasta gama de assuntos ligados ao fenómeno futebolístico, mas nunca do jogo em questão. O mesmo se diga também da imprensa escrita. Os aspectos lúdicos do jogo ocupam quando muito umas linhas, e em todo o caso seguramente que muito menos que as dedicadas à vida amorosa de cada futebolista ou às últimas notícias sobre as suas noitadas.
De modos que deixei totalmente, não digo de falar de futebol, que nunca fui muito de falar nisso, mas sobretudo de ouvir de futebol. Desliguei de todo. E isto já há muito mais anos do que estão a pensar. Para dizer a verdade, eu só gostei do jogo enquanto era criança e adolescente, até à primeira juventude. Aí sim, era seguidor atento de tudo o que lhe respeitava. E jogava, jogava muito, mesmo muito. Não digo que jogava bem, porque não seria verdade, mas jogava muito. E ainda deu para alinhar mais a sério em clube federado: pertenci aos escalões jovens do Sport Lisboa e Évora, meritória colectividade que é das mais antigas filiais do Benfica e que dava cartas no futebol juvenil aqui pelo Alentejo (agora não sei de nada). Como quem confessa sempre tem essa atenuante espero que me seja perdoado esse delito juvenil de andar a defender a camisola encarnada pelos campos do Alentejo. E realmente foi há muito tempo. Com a minha transferência para Lisboa ganhei o tal asco aos assuntos do futebol que referi atrás, e nunca mais consegui sequer ouvir falar de tal coisa. E ao que me dizem fiz bem, porque tudo terá vindo a piorar cada vez mais.
Sou aliás um português atípico: nunca pus os pés no Estádio do Jamor, ou no Estádio da Luz, ou no Estádio de Alvalade, nem nos antigos nem nos actuais. A bem dizer, só entrei nos aludidos campos alentejanos, nesses tempos remotos: o Lusitano, o Juventude, o União de Montemor, o Estremoz... joguei bastante nos campos dos Salesianos e da Casa Pia de Évora, que tínhamos sempre disponíveis. Mas fiquei por aí.
A bem dizer, e já agora para ficar confissão completa, as únicas excepções que recordo nestes últimos vinte e cinco anos quanto a contactos com o universo da bola foram uns almoços no Montijo, com uns colegas, no restaurante do pai da Futre, em que o senhor Manuel vinha sempre cumprimentar à mesa e trocavam-se algumas simpatias sobre o rapaz (que não me lembro aliás se estava em Lisboa ou em Madrid). E pela mesma época, também por acaso, tive na Moita algum convívio com um outro moço que ali montou um bar (era o "Manobras") com os dinheiros do futebol, e que se chamava Fernando Mendes. Jogou no Benfica, no Sporting e em não sei quantos mais, mas pela frequência do "Manobras" depreendi que não costumava deitar-se senão de dia (ele e mais metade da equipa).
Há que tempos isto foi!
Mais recentemente, tive a experiência mais marcante: há nove anos e um bocadinho, estando eu no Porto, fui convidado, com convite da direcção do FCP, a assistir a um jogo europeu, que ia decorrer no Estádio das Antas. Não perguntem porquê, que ignoro completamente a razão de tal distinção. Encontrei duas ou três vezes o Sr. Pinto da Costa, com quem troquei no máximo uns cumprimentos protocolares, o mesmo dos acompanhantes dele, recordo Reinaldo Teles, Óscar Cruz, o Dr. Lourenço Pinto, o Dr. Guilherme Aguiar. Não faço ideia do motivo de tal honraria - garanto que não conheço ninguém, nem nenhum me deve nada. O certo é que fosse por me sentir intrigado pelo convite, fosse por estar sózinho e sem nada que fazer numa bonita noite de Primavera/Verão, fosse pela curiosidade de ver o que nunca tinha visto, lá fui até ao Estádio das Antas assistir ao Porto-Sampdoria.
Foi efectivamente experiência única. Do jogo vi pouco; pareceu-me reduzir-se a umas correrias de um moço precocemente careca, acho que se chamava Atílio Lombardo, para quem os italianos bombeavam a bola em lançamentos longos. O tal careca movia-se incessantemente na frente de ataque, isolado e sempre a mudar de posição, à esquerda, ao centro e à direita, e de vez em quando conseguia realmente apossar-se da bola e dar cabo do juízo aos defesas do FCP. As mais das vezes o infeliz careca estava no chão, a torcer-se de dor com a sarrafada metódica do Paulino Santos ou do Jorge Costa. Mas vingou-se, já que num desses lances inesperados fez um golo e acabou com as esperanças portistas. Os italianos ganharam por um a zero.
Seja por ter dado azar ou por qualquer outra razão nunca mais recebi convite algum. O mais provável é que tenha dado muito nas vistas, porque o convite era mesmo lá para um sítio onde só havia velhos dragões, e dragões assanhadíssimos. Imagine-se um morcão ali no meio, sempre calado e de boca aberta a olhar espantadísimo para as exuberantes manifestações das espécies zoológicas que o rodeavam por todos os lados. Dava nas vistas. Mas digo-vos: do jogo vi realmente pouco, mas para a assistência não me fartei de olhar, de olhos arregalados.
Que espectáculo, senhores!