Manhã de cinza
Certa vez perguntaram-me de chofre com um ar prazenteiro: " -Sabes o que é um chato?" - Fiz ponto de interrogação, temendo mais uma piada sobre bichinhos incómodos em sítios impróprios, mas não era nada disso. Divertido o meu interlocutor adiantou logo a explicação: " - Chato é alguém a quem perguntamos como está, e ele diz..."
Não consegui sorrir, nem disse nada. Na verdade lembro-me que senti mesmo um calafrio gelado a correr cá dentro.
Encabulei, e gravei. Nunca mais deixei de ter presente a sensação, e a definição. Quando me perguntam "como está" respondo invariavelmente "bem, muitóbrigado". Geralmente é mentira, mas mantenho-me na minha. Não passar por chato é o supremo mandamento das regras de convívio em vigor.
Não sei quanto sofrimento silencioso poderá esconder-se em quantos me respondem que estão bem, obrigados. Desconfio que também não querem entrar para o clube dos chatos. Não imagino quanta solidão e desespero são mantidos escondidos por força das normas de conduta imperantes.
Constato apenas que vivo num mundo onde reina um "tudo bem" obsessivo e geral, com sorriso plastificado em esgar mecânico. E não sinto que nada esteja assim tão bem, nem vejo que os outros o sintam. Sinto antes um mau-estar que alastra por entre os fingimentos convencionais, uma infelicidade muda que se instala, um universo de gente que representa para exteriorizar o que não tem, e esquecer o vazio que efectivamente tem.
Este discurso, como é evidente, é profundamente chato. Ponto final.
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