sexta-feira, maio 14, 2004

O peso da memória: tortura depois de Abril

Ainda estou hesitante em entrar no assunto. Passaram muitos anos, e ninguém se tinha entretanto interessado em enfrentar essa lembrança. Nem os que mais sofreram. Entendo-os no seu desejo de esquecimento, porque rememorar é reviver e sofrer de novo. Os outros, os agarrados à mitologia da revolução, que querem à viva força imaculada e pura, não são capazes de olhar de frente esses tempos em que eles viveram o seu sonho encantado - e outros viveram o inferno.
Mas agora o tema foi lançado. No "Abrupto", no "Acidental", no "Blasfémias", no "Uma Geração às Direitas", no "SG Buíça", para referir aqueles de que me dei conta.
E sobretudo houve o artigo de Vasco Graça Moura no "Diário de Notícias". E agora, a culminar, este artigo de Rui Ramos no "Independente". Este foi muito mais longe, porque não se ficou por referências generalizantes. Concretizou, exemplificou.
Há ali pessoas reais, que conheço, que conheci. Não sei se possa falar. Agora fico por aqui. Convido os leitores a ler pelo menos o artigo de Rui Ramos. Se puderem encontrem o tal Relatório das Sevícias. E leiam. Contém uma amostra da verdade. Na altura da sua elaboração houve demasiadas condicionantes para que pudesse aproximar-se mais da verdade inteira. Muitas pessoas não quiseram comparecer e depôr perante a Comissão. Não confiavam nela. Não queriam pura e simplesmente falar, ou nem sequer eram capazes. Alguns responderam-me com revolta, quando os instei a que fossem, que não queriam entrar nos mesmos sítios nem cruzar-se com as mesmas pessoas que teriam que mencionar nas queixas.
Foi assim. O tal relatório não foi elaborado em ambiente que permitisse aprofundar o que se tinha passado, e não reflecte por isso, em termos quantitativos e qualitativos, senão uma pálida imagem da realidade.
Mas dá uma imagem. Mesmo que, a confirmar as tais condicionantes, quase caia no ridículo de terminar opinando que o melhor era que não houvesse perseguição jurídico-criminal, em nome do apaziguamento e da reconciliação, depois de ter passado cento e quarenta páginas a descrever crimes que concretamente apurou como claramente indiciados, com nomes, datas,factos, provas.
Acabo aqui. Já disse mais do que pensara dizer. Procurem informação onde ela exista.