Autopsicografia
Como sabem alguns, fui sempre aborrecido e cinzento como um dia de chuva. Mas há um progresso: dantes era-o ao vivo, agora limito-me à prática virtual. Vejam as extraordinárias vantagens: ninguém precisa de se esforçar em amável deferência, ninguém tem que sacrificar-se por simpatia ou timidez. Sou realmente um entusiasta da internet. Afinal, neste intercâmbio entre o escrevente e os seus leitores há mais verdade do que na realidade da vida. Aqui ninguém finge um interesse que não tem; o leitor a quem as peculiaridades do meu blogue tristonho e bizarro ameaçarem de depressão corre logo a ir-se para outra. Não há tempo a perder nas navegações internáuticas. Uma pessoa só se detém onde algo o prende. Portanto, quem fica encontrou. O que fosse não sei. Afinidades? Coitados!... Espero que sejam antes diferenças, oposições, contrastes. A vida para além da tela certamente ressalta contra os tons mortiços desta.
O blogue, assim entre o confessional e o impressionista, sempre serve de alguma coisa. Serve ao dono, por esse modo redimido nesta roda invisível dos falhanços em matéria de sociabilidade, e servirá outros, que cá encontram modelo de estudo e reflexão - sobre o que importa evitar, para não acabar um dia a viver na internet. Só tem virtudes, este vício do bloganço.
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