CARTA DO CANADÁ
Da jornalista Fernanda Leitão, há muitos anos exilada no Canadá, mas que muita gente em Portugal recorda com saudade, pelo menos os que como eu, e foram muitos, acompanharam os tempos heróicos d'"O Templário" (na altura em que sob a sua direcção o semanário de Tomar atingiu verdadeira expressão nacional), recebi um artigo sobre a recente vitória da selecção nacional de futebol (e não só, como costuma dizer-se...)
Aqui fica o artigo, com os meus agradecimentos à Sra. D. Fernanda Leitão.
AINDA BEM
Qualquer vitória da selecção nacional de futebol daria grande satisfação aos portugueses. Mas, por razões sabidas, uma vitória sobre a Espanha, em meio de um campeonato que gerou controvérsia e manchado por uma derrota face à Grécia que fez perigar o acesso da equipa lusa aos quartos de final, só podia lançar o mais perfeito delírio em Portugal todo ele, o que ficou e o que emigrou. Ninguém ficou imune.
Não fui excepção. Comecei por me irritar fortemente com a derrota, depois de tanta fanfarronada na comunicação social, e acabei, na tarde de domingo, com um sol radioso lá fora, colada diante da TV a ver o jogo transmitido em directo e em italiano (a RTP-I ainda só entra através de grandes antenas, só possíveis em grandes quintais ou subterrâneas, por não serem consentidas as antenas sobre os telhados, mas no prédio onde vivo sou a única pessoa de língua portuguesa e essa despesa não se justifica. A SIC entra por cabo através dum programa televisivo local, propriedade dum espanhol naturalizado português, num processo que não vale o dinheiro que se gasta). Pelo meio ficaram telefonemas de vizinhos canadianos a dizerem-me o proverbial e sempre simpático GO PORTUGAL, GO, e os meus amigos do Mercado de St. Lawrence, mesmo do outro lado da minha rua, onde me abasteço e tomo todos os dias a bica, a pedirem-me posters e a colocá-los mal eu os obtive, as raparigas portuguesas do Churrasco, o único restaurante português da área, a pedirem-me por tudo que lhes arranjasse uma fotografia da selecção, e eu cheia de pena de não ter nenhuma. Ficaram a matar as praias do Algarve, os palheiros de Mira, os campos de golf, sob os olhos da multidão compacta e colorida que, todos os sábados, tem o hábito de tomar o pequeno almoço no mercado e dali levar mantimentos e flores para toda a semana. No sábado, num jantar internacional, com pitéus que iam da Irlanda ao Uruguay, para o qual fui convidada a participar com uma sangria à maneira, surpreendeu-me que os saxónicos, pouco versados em futebol europeu, me perguntassem que palpite tinha eu para o jogo com a Espanha.
Confesso que estava apreensiva quando comecei a ver o jogo, tanto mais que ontem à noite um blogue na internet afirmou peremptório: “amanhã ou ficamos em 1580 ou em 1640”. Que coisa!
Piorei quando me tiraram os olhos do ecran vizinhos e amigos cuidadosos: “Olha que o TeleLatino está a dar o relato, liga para lá, é o canal 35”. Estive naquele desconforto até ao golazo do Nuno Gomes (lembrei-me que, quando era nova e andava no colégio de Tomar, havia aquele entusiasmo maluco pelo mundial de Hóquei em Patins, transformado em verdadeiro sofrimento quando a selecção defrontava a Espanha, e a coisa era de jeito que as meninas internas se deitavam no chão das camaratas, o ouvido colado ás tábuas do sobrado, porque a leitaria por baixo punha o som no ponto mais alto de modo a elas poderem, ao menos, ouvir aquela estridência gostosa do gooooolo...).
Nestes dias apercebi-me, através da internet e de jornais que me foram chegando, que algumas pessoas estavam surpreendidas, e até um pouco incomodadas, com a profusão de bandeiras verde-rubro em varandas, em casas e em ruas, bem como com as multidões cantando o Hino Nacional. Li mesmo algumas prosas estomagadas com aquilo que julgavam ser um nacionalismo descabido e desabrido. Foi a minha vez de ficar surpreendida. É que eu nasci há muitos anos em Angola, e ali a consigna era: Pai é Pai – Mãe é Mãe – Hino é Hino – Bandeira é bandeira. Não se discutia. Amava-se. Respeitava-se. Depois, estou há 21 anos no Canadá, uma monarquia constitucional, de que a chefia do estado é garantida pela Raínha Isabel II de Inglaterra, país libérrimo que alberga em boa ordem comunidades oriundas de 160 países, onde todos podem praticar a sua religião e ter as suas escolas, os seus comércios, as suas bandeiras, as suas manifestações culturais. País em que todos, os que nasceram aqui e os que escolheram esta terra para viverem, têm o culto da bandeira e onde o Dia Nacional do Canadá , em 1 de Julho, é festejado com todo o entusiasmo do Atlântico ao Pacífico. Nas igrejas, dos vários cultos, é normal estarem atrás do altar a bandeira do país a que pertence aquela comunidade e a bandeira do Canadá (e ainda a bandeira da Santa Sé, no caso dos católicos). Nunca ninguém nos chamou nacionalistas mas se chamasse, éramos capazes de julgar que era um elogio.
Mas depois lembrei-me que em Portugal, desde 1974, passou a ser feio chamar Pátria à Pátria, saber cantar o Hino e hastear a bandeira. Tudo por imposição de intelectuais republicanos. Porque os monárquicos, como eu, têm respeito pela bandeira verde-rubra, mesmo não se revendo nela. Não há memória de algum monárquico ter pisado a bandeira, ter arrastado a bandeira no abandono do Ultramar, de a ter posto de pernas para o ar numa varanda entre lençóis e camisas de dormir. Não é a nossa, mas respeitamos o que ela representa para as outras pessoas.
O que este mar de bandeiras representa em Portugal, o que quer dizer o Hino cantado espontaneamente no meio das ruas, é que o Povo anda com saudades de si mesmo e com um desejo enorme de abraçar a Pátria – como aquele soldado das hostes de Paiva Couceiro, de que falam os relatos da Monarquia do Norte, que tomou entre os braços a bandeira branca e a beijou, dizendo numa tremenda e desajeitada ternura: “dá cá um beijo, oh cachopa, que há tanto tempo não te via”.
Se o futebol fez rebentar o dique da timidez popular, então obrigada futebol. Que o patriotismo rebente o dique e regresse de novo às ruas, aos campos, às escolas, às fabricas, às almas, como um grande rio, um salutar rio que lave a terra do que a tem afligido e conspurcado.
Fernanda Leitão
1 Comments:
A democracia e expressão de liberdade do maldito 25 que destruiu por completo a minha Pátria e concordo ele era necessário mas não nestes moldes irresponsáveis, destruiram muitas vidas exilaram esta grande Senhora enfim vergonhas sem fim até hoje se têm cometido em nome da democracia, democracia que levou Portugal à falência total, desde a perda de valores até à ruina económica, deviam sentar-se no banco dos réus e ser obrigados a restituir o que roubaram e a trabalhar a limpar matos de sol a sol...
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