CARTA DO CANADÁ
Recebemos da jornalista Fernanda Leitão mais uma das suas cartas do Canadá, dedicada precisamente ao momento político que se atravessa.
Ei-la, tal como chegou lá das longínquas paragens canadianas.
O BECO REPUBLICANO
Esta República, a quem o povo português deve favores que a História registará, um deles foi a “descolonização exemplar” e outro foram as “nacionalizações de roubo”, a que se deve acrescentar o abandalhamento do ensino e a corrupção mais elaborada, desembocou num beco mal afamado e sem saída. Durão Barroso, que vem da escola comunista do maoísmo e foi promovido por Cavaco Silva, mexeu os pauzinhos todos que lhe permitam fugir do país, pela porta da frente, de modo a não ter de dar contas dos abusos, incompetências e coisas nada sérias do seu governo de coligação. Uma coligação ostensivamente protagonizada por um Paulo Portas que, goste ele ou não, está irremediavelmente queimado desde o caso da Moderna. Não se surpreendem os emigrantes portugueses do Canadá com esta fuga, tão descarada, porque, quando em Toronto tivemos a epidemia da gripe SARS, Durão Barroso cancelou a sua presença na festa de homenagem aos pioneiros que chegaram a este país há 50 anos, tendo o topete de se ficar por Otava, entre banquetes e limousines governamentais. A comunidade portuguesa colou-lhe o rótulo inapagável de cobarde. Foi o mínimo que lhe chamaram, à boca cheia, os portugueses deste lado do mundo.
Obriga-me a verdade e a memória a dizer que não me surpreendo por mais este acto de fujão e a explicar porquê. Há anos atrás foi cônsul de Portugal em Toronto um António Tânger Correia que, além de ter apanhado aos incautos dois barcos com o pretexto de ir às Olimpíadas de Seul, o que logo foi desmentido pelo Comité português, deu outras “palmadas” por aí, abandonou o posto diplomático para velejar na Europa, meteu-se em aventuras galantes que deviam ter dado uma inspecção rigorosa se o Ministério dos Negócios Estrangeiros fosse respeitável, ia para o consulado algumas vezes bastante bêbado, e foi nesse estado que expulsou um honrado trabalhador com 29 anos de casa, a quem o estado português nunca fez justiça, etc. etc. etc. Um escândalo, uma lama, uma lástima que nos envergonhou a todos. Era ministro dos Negócios Estrangeiros o Sr. Durão Barroso. Como eu conhecia o Tânger desde catraio e calhou de ir a Lisboa, avisei a sua progenitora quanto ao melindre da situação por ele criada, sugerindo que pedisse ao ministro para o tirar de Toronto. Respondeu-me que não podia ser porque o dito ministro e o delicioso filhinho eram amigos unha e carne. E adiantou uma expressão que me ficou colada na memória: “São dois garotões”.
Porque havia eu de me admirar das piruetas do Durão Barroso nos dias que correm?
Temos, pois, que Durão Barroso está de malas feitas para Bruxelas, numa fuga precipitada, e que sugere para seu sucessor Santana Lopes, o célebre Pedrocas das Larocas, que tem boas razões para fugir da borrada que deixa na Câmara de Lisboa e é íntimo do nunca por demais celebrado Paulo Portas. Este é um beco sujo, mal cheiroso e mal afamado.
Portugal tanto pode estar à beira de varrer a testada e limpar uma boa parte da casa política, como pode estar quase a transformar-se naquilo a que Guerra Junqueiro chamou “uma enxerga podre cheia de percevejos”, quando, arrependido e envergonhado por ter louvado os malditos regicidas, viu no que tinha dado a balbúrdia republicana.
Tudo agora depende do Presidente da República. Este, como é de seu natural, não perdeu as estribeiras, pediu tempo para reflectir e aconselhar-se, recomendou prudência e pequenos passos. Está a ser bastante criticado por isso, com uma paixão a condizer com estes exaltados dias de campeonato de futebol. E no entanto, o PR está certo ao proceder assim. Precisamente por ser Presidente da República. Porque o Presidente da República é em geral proposto e apoiado por um partido, embora seja depois votado por todos aqueles que, mesmo pertencendo a outros partidos ou a nenhum, lhe dão a sua simpatia ou o benefício da dúvida. Quando surge uma situação de encurralamento político, como esta que foi provocada pela Direita Situacionista, a Direita Aproveitadora, o PR tem de ser extremamente cauteloso na solução do problema para não ser acusado de estar a favorecer a formação ideológica de que é oriundo. Frente ao desconchavo criado pela rapaziada dos Jaguares, Copos, Tipas & Ofícios Correlativos, é evidente que apetece convocar eleições antecipadas e pôr tudo a claro, virado da cabeça para os pés. Mas, como em tudo, é preciso perguntar quem é o primeiro beneficiário. E aí é que bate o ponto. Portanto, Jorge Sampaio tem de ser prudente e aconselhar prudência. E o povo, consciente desta realidade, tem de fazer saber ao PR que pode contar com o seu apoio. Porque a situação é séria, é o país que está em jogo com milhões de almas dentro, não é hora de levar isto no calembour, na risada ou no esfregar contente de mãos. O país acima de tudo.
O Rei não tem estes problemas de suspeição em relação a partidos. Pode cortar a direito. E mandar varrer os cacos. Quanto mais o tempo passa mais as pessoas são obrigadas a pensar nestes termos.
Fernanda Leitão
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