Da vida dos passarinhos
Nesta sexta muitos fizeram como quinta. Nota-se no vazio que enche as ruas. E na expressão mortificada dos que aparecem, ainda assim, ao sacrifício de picar o ponto.
Não era preciso ser especialmente atento para reparar, mas parece-me que o meu posicionamento, sempre circulando por fora, me tornou um excelente observador. Ganhei em distanciamento e perspectiva o que perdi em envolvimento e partilha.
Espectador, pois, mas vigilante. Contudo, inapto para as grandes encenações forjadas pelos consonantes instrumentos de condicionamento do rebanho. Bem podem semear tudo de futebóis, que passo ao lado. Ainda não senti nada com o famosissimo Euro. Será que é deficiência?
Desvantagem creio que sim. A incapacidade para participar gera dificuldades de monta na vida de relação. Um homem que não sente as emoções grupais, que fica indiferente e frio perante a euforia geral, é de desconfiar. Merece ao menos uma prudente reserva. Um olhar de soslaio, e um franzir de testa. Digamos que pode ser boa pessoa, mas é esquisito.
Paciência. Fui realmente ganhando capacidade de observação. Poucos terão dedicado tempo a meditar sobre a vida social dos pintassilgos. Pois saibam que a minha janela é um lugar privilegiado para esse estudo. Os esquivos passarinhos nem dão por mim, entretidos que estão nos afazeres das suas vidas. Primeiro surpreendi-me com a descoberta, ignorante como estava que eles cultivassem aquele gosto por plátanos. Com o tempo,instalado assim à coca por sobre as altas copas das árvores, concluí que realmente as avezinhas gostam dos plátanos. Dos grandes, que lhes dão espaço e protecção, bem longe do chão e das ameaças terráqueas. Os pequenos evitam-nos.
E por ali vivem, sempre afanosamente. Parecem brincar permanentemente, em movimentos de bailado, ou de dança infantil. E são gregários! Sublinho a admiração da descoberta, porque não sabia. Conhecia os pintassilgos de gaiola, desde criança, e dos livres conhecia-os na época do acasalamento e dos ninhos. Qualquer mocinho alentejano e rural conhece: os pobres bichos são muito apreciados pelo seu chilrear alegre e pela vivacidade das cores. Consequentemente, sempre sofreram da tendência para acabar na gaiola. O que eu não sabia, e fui descobrindo nas sessões de observação, é que na realidade eles vivem em bando. Fazem vida colectiva. São animaizinhos sociais, e territoriais. Cada bando tem o seu espaço próprio, que demarcam com os tais voos rituais e o cantar harmonioso que delicia os poetas e os namorados. Suspeito que só passam a fazer vida a dois pelo imperativo biológico em que estarão a pensar. Nessa altura quebra-se a existência colectiva. São casal, e assumem. É a força do amor. Mas cumprida a missão, vivido o romance, assegurada a continuidade da espécie, abandonado o ninho e lançada a ninhada à vida, refaz-se a vida comunitária, até à estação seguinte.
Gosto dos pintassilgos. São simpáticos, e parecem sempre bem dispostos. Bem diferentes dos pardais, que não se calam nos beirais e nos telhados e que nunca perdem o tom irritado de quem discute. Quanto a estes ainda não entendi as quezílias internas que os fazem sempre zangados uns com os outros. Mas que há disputa séria e permanente, isso é certo. Pode ser que venha a conhecer algum ornitólogo que me explique.
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