O referendo
Em política o desespero é uma estupidez, dizia o velho Charles Maurras. Sabia ele que de um momento para o outro tudo o que parece adquirido pode vir a estar de novo em causa, tudo o que parece estável pode desmoronar-se.
Ainda ontem a questão da constituição europeia parecia um facto assente e irreversível, e eis que com o anúncio da convocação de um referendo tudo é posto em jogo, sujeito às contingências da luta política aberta.
Evidentemente que, tanto quanto alcanço, os objectivos do acordo cozinhado nas altas esferas do regime, que envolve necessariamente o Governo, o PR e o PS, é conferir uma legitimidade à coisa, que é por demais notório que lhe falta de todo. Soou lá em cima a campainha de alarme accionada pelo desprezo ostensivo dos povos.
Como o objectivo é legitimar o que está feito, o processo deverá ser conduzido de modo a correr o menor risco possível, o que significa que a haver referendo ele terá que ser marcado a prazo curto para não dar tempo aos adversários de se organizarem capazmente(as oficinas situacionistas não precisam disso, obviamente). Daí a referência já feita a Janeiro de 2005, o que deixará seis meses apenas, não contando que nesse período se inclui a letargia do Verão, para que se preparem os partidários do "Não".
Depois, resta ainda conhecer o teor da pergunta a apresentar a referendo, que é facto de não pequena relevância.
Esperemos atentos para ver o que acontece. Entretanto seria bom começar desde já a limpar armas. Nisto de referendos os riscos para o sistema são sempre reais, dada a imprevisibilidade das massas e o gosto que manifestam em dizer não aos cozinhados que lhes apresentam para homologação.
Recorde-se que nos dois únicos exemplos portugueses, os referendos sobre a regionalização e sobre o aborto, apesar do peso esmagador dos mecanismos de condicionamento da opinião desencadeados a partir do poder político e mediático, o sentido de voto acabou por ser, surpreendemente, contrário ao pretendido pelos senhores que têm nas mãos os cordelinhos com que julgam comandar a complexa máquina de que fazemos parte. O que provou, mais uma vez, que em política o desespero é uma estupidez.
Considerando o andar da carruagem, seria aconselhável que todos os que pretendem combater a imposição desse espartilho burocrático e evitar essa tentativa de asfixia das velhas nações da Europa começassem de imediato a organizar-se em plataformas cívicas em prol do "Não" no referendo à constituição europeia.
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