terça-feira, julho 13, 2004

Mircea Eliade em Portugal

O autor de tantas obras que figuram entre as mais conhecidas e divulgadas do século XX, como "O Mito do Eterno Retorno" ou "O Sagrado e o Profano", mundialmente aclamado sobretudo pelo seu trabalho no domínio da história das religiões, beneficia de justa popularidade, e é fácil encontrar mesmo na internet inúmeras biografias e bibliografias sobre ele.
E todavia, com alguma estranheza, constato que em geral é passado em silêncio o seu período de permanência em Portugal - apenas se referindo brevemente que esteve colocado na Embaixada Romena em Lisboa entre 1940 e 1944. Ignora-se a importância dessa época para a sua vida e para a sua obra, como se ele nesse período não tivesse feito nada, nem escrito nada.
Ora nada mais falso: como ele mais tarde fez constar, nomeadamente no seu "Diário", e quando escolheu Portugal para cenário dos seus romances ("Bosque Proibido"), o período em Portugal foi dos mais relevantes e determinantes da sua vida.
Já antes, na década de trinta, durante os seus anos na Índia, onde se dedicava ao estudo da religião e da cultura indianas, nascera-lhe a paixão por Portugal, pela cultura portuguesa, e particularmente por Camões. Germinaram aí os projectos de escrever sobre Camões e a sua obra, que nunca se vieram a concretizar. Mas logo então começou a estudar a língua portuguesa, ainda durante a sua permanência em Bengala.
Veio depois a fase turbulenta do seu envolvimento no turbilhão da política romena, quando em 1938 chegou a ser enviado para um campo de concentração durante a ofensiva governamentalista contra a Guarda de Ferro. Superado tudo isso, surge em Lisboa, após breve passagem por Londres.
Em Lisboa o seu círculo de relações estabelece-se em torno de Victor Buescu, essa notável figura de exilado romeno que, como Eliade, ou Vintila Horia, nunca voltaria a ver o seu país, e à cultura portuguesa, particularmente à Faculdade de Letras, dedicaria toda a sua vida. E entre os portugueses Mircea Eliade relaciona-se com o círculo dos tradicionalistas de extrema-direita, com quem encontra naturais afinidades culturais: Manuel Múrias, João Ameal, Alfredo Pimenta, Pedro Correia Marques. Consequentemente, torna-se colaborador regular do jornal destes, "Acção".
Consegue também a simpatia e a colaboração de António Ferro.
No seguimento dessas amizades vem a publicar em 1942, na Roménia, o seu livro "Salazar e a Revolução em Portugal", onde expressa a sua admiração pelo então Presidente do Conselho, com quem nessa altura chegou a entrevistar-se. O livro só em parte foi traduzido para português, e geralmente nunca aparece mencionado nas bibliografias do autor.
Também durante esses anos, e no âmbito do seu trabalho de divulgação da cultura romena em Portugal, publica trabalhos no "Acção" sobre a cultura, a história, os mitos e a literatura do seu país, divulgando sobretudo o grande poeta nacional, Eminescu.
Nessa época publica também a sua obra "Os Romenos - os Latinos do Oriente", que regra geral também é ignorada na sua bibliografia.
E ficamos por aqui, porque já chega para realçar a importância da passagem por Portugal do grande escritor romeno. Até no plano do sofrimento pessoal, pois aqui morreu a sua primeira mulher, Nina. Ao longo de muitos anos, até ao final da sua vida, Mircea Eliade foi evocando esses tempos portugueses - a casa do Estoril,o Buçaco, a Estufa Fria, o sanatório da Lousã...
Espero que tenha contribuído para despertar o interesse pelo sábio romeno. Para quem queira ler mais sobre este tema recomendo o excelente estudo de Albert von Brunn disponibilizado pelo Instituto Camões. E sítios em linguajar estranho há por aí aos pontapés.