O Congresso
O Ungido dos Senhores, em tom delicodoce e vagamente sacrista, apresentou-se primeiro:
- Como sabem todos os Camaradas, eu estou nas melhores condições para conduzir a nossa gente de novo no caminho das vitórias... Fui já recebido entre os Eleitos do Clube dos Biltresberas... Quem me apresentou foi o Capitalista Balseirão, e modéstia à parte sou uma figura de consenso.... Capaz de imprimir o rumo da modernidade e do progresso ao nosso histórico Partido, e retirá-lo desta pobre condição em que tem vegetado nestes anos derradeiros, deste que o Furão Manhoso tomou conta da chafarica, por abandono do Camarada Guto Érres...
O Herdeiro, furioso, em voz de falsete, esbracejou logo para os restantes assistentes:
- Eu não me conformo!... Quem julga ele que é, este jovem Aristóteles? Eu estava primeiro! E a minha Loja é muito mais antiga e tradicional!... Este avental aqui, já foi de meu Pai e de meu Avô... O tipo não passa de um trolha aprendiz! E o nosso Partido não é dirigido por nenhuma mão invisível! Aqui não há disso! Nada de pranchas! Vamos já a votos!
O Poeta, de voz grave e solene, proclamou, enchendo o peito, do outro lado da sala:
- Nem que me rebente o coração! Seja quem for que ousar atentar contra a identidade do nosso glorioso Partido há-de encontrar-me pela frente! Este canto e estas armas se erguerão contra a desvirtuação da nossa memória e do nosso ser! Eu aqui estou, Camaradas!
E o Herdeiro, quase à beira da apoplexia, continuava a barafustar, gesticulando exaltado por entre os circunstantes, que também se agitavam divididos. E o Poeta, do outro lado, declamava em pose heróica e arrebatada. Crescia a altercação, e do meio do sururu só se distinguiam, mais elevadas, a voz de falsete do Herdeiro e a voz grave e dramática do Poeta. A algazarra crescia, e ameaçava degenerar em tumulto.
O jovem Aristóteles e os seus apoiantes, todos de fatinho bem posto, entreolhavam-se assustados e meio desnorteados, sem saber bem o que fazer.
Ouviu-se então por sobre a confusão o brado do velho Jarrão A. Tantos:
- Camaradas! O que vem a ser isto? Valha-nos o Supremo Arquitecto! Haja decoro e contenção! Uma vez que as coisas estão neste pé, de ora em diante passa a ser tudo à porta fechada! Nem mais! Que eu ainda sou o Presidente... Camaradas: porta fechada, já!
E assim se fez o silêncio na Casa Socialista.
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