Navio ao fundo?
A alegre rapaziada abortista andava eufórica na perspectiva de viver dias gloriosos com a entrada e permanência do seu famoso barco do aborto em qualquer porto nacional, contando fazer sua a agenda política nos próximos tempos.
Não contavam ao que parece com a capacidade de antecipação da malta governamental, que em matéria de golpes publicitários não recebe lições de ninguém. Bem cientes de que uma vez consumada a presença do pavilhão promocional em porto português seria impossível evitar o circo mediático, dada a bem conhecida especialidade da esquerda louçã e a sua força no que tange a agitação e a mobilização da comunicação social, os conselheiros governamentais acharam por bem esvaziar o balão antes que este enchesse.
Vai daí, proibe-se a entrada do navio. Até aqui parece-me certeiro o tiro. É bem sabido que nestes carnavais perde quem seguir a reboque do plano adversário. Deixando atracar o barco, num encenado clímax, com mais ou menos manifestações hostis (que evidentemente também estavam nas previsões), com mais ou menos fiscalizações policiais e sanitárias (que reverteriam também a favor da propaganda pretendida) os organizadores estariam sempre a ganhar. Monopolizavam os projectores quanto lhes conviesse.
Que o tiro terá sido bem direccionado também parece confirmado pelas desorientadas reacções das hostes animadas pelo evento. Uns emitem protestos retóricos, outros anunciam que o navio atracará mesmo assim (nesse caso lá se vai o legalismo enfaticamente proclamado: pode um navio forçar a entrada num porto que a não autorizou?) e outros dizem que a organização irá apresentar queixa às instituições comunitárias. Em qualquer das hipóteses, sobretudo na queixosa, o que se vislumbra é o naufragar do plano; e bem gostava eu de saber quem suporta as contas, que isto de fazer navegar um navio entre a Holanda e as águas portuguesas, ida e volta, é brincadeira para custar uns largos milhares de contos dos antigos.
Resta-me deixar uma observação que me tem andado na cabeça nestes últimos dias: como sabe quem tem alguma maturidade e experiência no que respeita a manobras de publicidade e propaganda, há golpes que afectam gravemente os fins que queriam servir. Tal como um produto pode ficar para sempre ferido na sua imagem por uma iniciativa promocional infeliz, também uma causa pode ficar gravemente prejudicada por uma campanha idealizada para a promover. Esta excursão do chamado barco do aborto, todo o arraial montado à volta, a arrepiante ligeireza dos discursos, com a convocatória das interessadas em dar um passeio ao alto mar, vamos ali e já voltamos, damos caramelos, leia-se pílulas abortivas, às concorrentes premiadas, surge como uma machadada terrível na respeitabilidade das organizações normalmente associadas à luta pró-aborto. Degrada o assunto e baixa o nível a um limite nunca visto. De ora em diante, será muito mais difícil afixar um ar sério e equilibrado para entrar em qualquer discussão sobre legalidade ou ilegalidade de práticas abortivas, falando pomposamente em dignidade da mulher e outros tópicos semelhantes, sem levar logo na cara com a evocação deste carnaval.
Mas esperemos então pela sequência da telenovela.
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