sábado, setembro 25, 2004

Causas do malogro da acção política contra-revolucionária

Editada há uns 25 anos por Roger Delraux, foi em tempos publicada uma tradução portuguesa de um dos mais importantes livros de filosofia política dados à estampa depois da Segunda Guerra Mundial: "A Contra Revolução", de Thomas Molnar.
Ao lado de Julien Freund, de Karl Schmitt, de Bertrand de Jouvenel, de Jules Monnerot, Thomas Molnar faz parte daquele grupo de politólogos que, depois de Maurras e do maurrasianismo e para além deles, não desistiu de analisar os malefícios da partidocracia e do desmesurado crescimento do Estado moderno, cuja crítica, desde Condorcet até Vilfredo Pareto, passando por Toqueville, e de Bonald e de Maistre, não tem cessado de ser feita.
Certo da importância e actualidade desta publicação, transcrevo ao diante algumas passagens do livro de Molnar, que me parecem especialmente estimulantes, e a merecer debate e análise nos dias de hoje, tal o acerto das observações.
Espero suscitar a reflexão e vir a contar com as opiniões dos interessados.

A restauração contra-revolucionária tem falhado regularmente, não por qualquer fraqueza intrínseca da posição ou da filosofia contra-revolucionárias, mas por os contra-revolucionários se revelarem largamente incapazes de utilizar a fundo os métodos modernos: organização, slogans, partidos políticos e imprensa. O processo publicitário foi abandonado aos media revolucionários, de tal modo que os contra-revolucionários regularmente surgem a uma luz desfavorável, quando ao menos conseguem fazer-se conhecer. Nessa conformidade, o homem da rua, mesmo não comprometido, traz em si um pequeno mecanismo que lhe dita reacções simpáticas aos heróis e às causas revolucionárias e um sentimento de estranheza ou relutância perante as causas contra-revolucionárias. Os meios de comunicação contra- revolucionários pouco ou nada fazem para corrigir essa atitude inicial, entretanto permanentemente reforçada pela influência contínua da propaganda de esquerda. Os contra-revolucionários dirigem-se essencialmente aos já convertidos, cujo número pode ser muito importante, e até representar a maioria, mas não aumenta após esse primeiro contacto. Por outro lado, o público contra-revolucionário é, em geral, "estático", não sentindo necessidade ou possibilidade de maior expansão, seja pelo conhecimento, pela mobilidade ou pela conquista das instituições: basta-lhe ser assegurado que as suas opiniões são justas. Os contra-revolucionários lêem os seus próprios jornais e livros para aí verem reflectidas as suas próprias convicções e também para confirmarem a existência de outras pessoas que as partilham.
Esta atitude não prevalece apenas entre os contra-revolucionários de uma Europa activíssima no plano ideológico, mas também nos Estados Unidos, embora aí os costumes políticos encorajem todos os partidos e as opiniões marginais a divulgar as suas ideias; mesmo assim, observa Willmore Kendall a propósito dos legisladores americanos, "é geralmente verdade que os resistentes (os conservadores expostos aos ataques dos liberais no Congresso) não mostraram até agora (1963) grande actividade no sentido de articular princípios. Toda a sua agitação raramente corresponde a uma filosofia conservadora autêntica e combativa, capaz de resistir ao moralismo militante dos liberais".(1)
Na arena política, a contra-revolução deve habitualmente esperar que os acontecimentos persuadam a população e os eleitores a aderir à sua causa; parece incapaz de os persuadir em períodos de calma e normalidade, em grande parte devido ao facto de os contra-revolucionários não fazerem sérios esforços nesse sentido e deixarem campo livre aos meios de propaganda revolucionários. Assim, sobrevinda uma crise, não dispõem de qualquer grupo organizado e experimentado, mas apenas de massas unidas pelas circunstâncias, invertebradas, clamando ansiosamente por imediata protecção - contra a agressão ideológica, o desastre financeiro, a anarquia. Disso duplamente sofre a reputação dos porta vozes contra-revolucionários: primeiro, porque, no período anterior à crise, são apontados como "profetas da desgraça"; depois, porque, eclodida esta, são acusados de incapacidade para restabelecer a situação. De qualquer maneira, fazem-se conhecer, antes e depois, como "homens de crise", emergindo apenas em circunstâncias excepcionais, assumindo os interregnos sob a forma de "homens providenciais" ou "ditadores".
O curioso é haver boa dose de verdade nestes rótulos. O contra-revolucionário deixa, por omissão, os revolucionários encarregarem-se de lhe pintar o retrato, por tal forma que a descrição da sua passagem pelo poder e a reputação que lega à posteridade são igualmente feitas (ou refeitas) pelos adversários. Poderia dizer-se que a filosofia contra-revolucionária, bem como os programas e os actos, são vistos pela opinião pública - e pela história - através das descrições e dos critérios de julgamento, essencialmente hostis, dos revolucionários.
O contra-revolucionário tem consciência deste estado de coisas, mas na generalidade não é capaz de o remediar. A sua análise é normalmente lúcida, mais até que a dos seus adversários. Os contra-revolucionários mediram perfeitamente, após 1789, os perigos da democracia, mas encontraram pouca audiência na imprensa ou nas massas. Pobedonostsev, reputado um ultra-reaccionário, diagnosticou a doença democrática de modo pouco diverso do de Platão. Nas Reflections of a Russian Statesman (p. 45), escreve: "A democracia é o sistema de governo mais complicado e mais difícil de manejar de toda a história da humanidade. Por isso, jamais apareceu salvo como manifestação transitória, as poucas excepções cedendo rapidamente lugar a outros sistemas." Claro está, o período de "transição" pode durar muito tempo, pois a degenerescência da democracia é por vezes muito lenta, por fases dificilmente perceptíveis. Cada uma delas é saudada pelos media revolucionários como um novo avanço, um novo progresso, uma conquista da liberdade, e a opinião pública aceita-a como tal. Em consequência, de cada vez que os contra- revolucionários tentam chamar a atenção para novo aprofundamento na degeneração, as suas exortações afiguram-se à opinião pública ainda mais extremistas que antes. Após 1918, os contra-revolucionários estavam na razão apontando o marxismo como a nova e grande ameaça para a civilização, maior que a democracia, embora emanado da doutrina democrática e encorajado pela tolerância democrática. Quando a chamada experiência russa do comunismo suscitava fortes aplausos dos ideólogos revolucionários ocidentais, foram dos contra-revolucionários as vozes que, não só a condenaram, mas também lhe assinalaram as raízes e a lógica de destruição. Precederam assim, pelo menos de uma geração, os fabricantes de opinião do Ocidente: o comunismo teve de calçar as botas e ocupar a pátria de cem milhões de europeus antes que o Ocidente mostrasse os primeiros sinais de inquietação.
Os contra-revolucionários encontraram-se desempenhando com inquietante regularidade o papel de Cassandra, enquanto a ameaça contra a qual advertiam a sociedade crescia em intensidade e alastrava geograficamente. Entretanto, a origem da ameaça, já apercebida logo após 1789, e mantendo-se a mesma, agravava-se: era ainda o estilhaçar da sociedade, a desunião e a atomização introduzidas pela democracia jacobina. Dando a essa desunião um nome novo e mais ameaçador - a luta de classes -, Marx não podia ser rotulado, na terminologia contra-revolucionária, de antidemocracia; bem pelo contrário, parecia simplesmente extrair as conclusões lógicas da fatalidade democrática. Sob as formas parlamentares da democracia, os diferentes grupos de interesses – as "clientelas" - travavam tacitamente uma verdadeira guerra civil; Marx simplesmente chamou as coisas pelos seus nomes, exaltando um desses "grupos de interesses” (ou "clientelas"), o proletariado, a lutar até ao fim para destruir o sistema.
Na verdade, este aspecto do marxismo - mas, é claro, com exclusão dos outros, trate- se do moralismo, da negação da acção ou do totalitarismo - encontrava certa simpatia nos peitos contra revolucionários.
Também o marxismo combatia o Estado liberaldemocrático nascido de 1789 e da revolução industrial; também ele era contra a atomização da sociedade e a dispersão da energia social; também ele pregava uma espécie de reunificação pela liquidação das classes e clientelas. Mas a comparação termina aí, e os caminhos do comunismo e da contra-revolução, por momentos paralelos, divergem radicalmente. Explica isto, porém, a atitude compreensiva dos contra-revolucionários em relação ao comunismo, na medida em que este, embora de maneira deformada e quão terrível, igualmente crê na unidade social (mas não na harmonia - harmonia das partes!) e numa fé que a exprime e protege. No Journal d'un homme traqué, Robert Brasillach escreveu: "O fascismo não é o marxismo, mas também combate e odeia as injustiças contra as quais o marxismo se levanta e contra as quais propõe os seus perigosos remédios."
Compreende-se que, com uma tal atitude (e Brasillach traduz bastante bem a posição contra-revolucionária entre as duas guerras), os contra-revolucionários tenham atraído simultaneamente a hostilidade dos marxistas e a dos capitalistas liberais, assim como a do Estado liberaldemocrático. Valendo isto dizer que a imprensa - nas mãos dos intelectuais marxistas, dos empresários capitalistas e do governo - tinha todo o interesse em silenciar e deturpar as vozes dos contra-revolucionários, assim agravando o seu isolamento e a sua amargura, muito para além do que tinham experimentado no século XIX, quando começara o processo, Privados de poder e de meios de comunicação, as contra-revolucionários adoptaram então um tom profético e apocalíptico, já que tanto a imprensa oficial e os representantes do Estado quanto os representantes da vida cultural ou universitária não pareciam compreender que, com a aparição do bolchevismo, a sociedade passara a não ser apenas maltratada, mas efectivamente submetida a desintegração. Como das várias outras ocasiões, antes e depois do período 1918-1939, os contra-revolucionários esperavam fazer-se compreender ao menos pelos revolucionários "à moda antiga", por exemplo aqueles que representavam o Estado e por ele eram responsáveis perante o inimigo comum: uma esquerda marxista ou orientada para o marxismo. Em casos isolados, efectivamente, essa esperança concretizou-se. Mas o contra-revolucionário lúcido sabia que o marxismo é um instrumento poderoso para extrair das profundezas da ideologia revolucionária o impulso à utopia, e que o próprio partido comunista constitui o elo de ligação natural de todos os revolucionários à deriva. Plínio Corrêa de Oliveira alega, designadamente, que o liberal aceita o socialismo porque um governo socialista (marxista) permite a "satisfação metódica, embora por vezes sob o signo da austeridade, das paixões mais baixas, como a inveja, e preguiça, a imoralidade. Por outro lado, o liberal percebe também que o desenvolvimento da autoridade central, a que normalmente deveria opor-se, não passa de um meio para assegurar a anarquia final", pois destrói a moralidade pública e a liberdade individual (2). Exactamente o que aconteceu com a instauração das "frentes populares” na Espanha e na França e com o fenómeno do Kulturbolschewismus na Alemanha.

1. Willmore Kendall, The Conservative Affirmation, Chicago, Henry Regnery, 1963, p. 18. O autor observa, por exemplo, não procurarem os senadores conservadores explicar os seus pontos de vista em termos filosóficos, de tal forma que dão a impressão de serem conduzidos por motivos sórdidos.
2. Révolution et contre-révolution (em francês), São Paulo, Ed. Catolicismo, 1960; p. 65.

Thomas Molnar