domingo, outubro 31, 2004

Ainda Matateu e Baptista Bastos

Logo depois de ter publicado a entrevista de Baptista Bastos a Matateu, que podem ler um pouco mais abaixo, recebi de Fernanda Leitão, lá dos longes de Toronto, uma mensagem de resposta. Torno-a pública, até porque gosto de partilhar - e também porque sei que há por aqui habitualmente leitores belenenses, pelo menos os do Último Reduto e do Santos da Casa, que gostarão destas evocações.
Não lhes chamo "malta azul", porque aqui em Évora isso queria dizer que eram do Juventude. Mas cá deixo a prenda.

MATATEU & BB
Ainda bem que relembrou essa entrevista (enternecedora) do Matateu. Eu gostava muito dele. Era um homem como a terra o deu, puro e sem misturas. O povo adorava-o. Tinha-o como coisa sua.
Num fim de tarde de muito calor, em pleno Agosto, com Lisboa quase às moscas, quando os comboios da Linha despejavam os banhistas
no Cais do Sodré, um ardina desconsoladíssimo com a pouca venda de jornais teve uma travadinha e desatou a gritar:
- Traz o casamento! Traz o casamento!
Bisbilhoteiro, o alfacinha começou a parar e a perguntar:
- Qual casamento?
- Da Amália com o Matateu! - respondeu o bardina todo lampeiro.
Os jornais venderam-se. E dali a meia hora, porque houve uns peludos que deram por paus e por pedras, veio a polícia e o reguila foi de cana. Mas teve muita graça. O povo sabia rir com as suas figuras mais amadas.
Por mim, prestei ao jogador do Belenenses a homenagem que esteve ao meu alcance. Pouco depois de chegar ao Canadá, apareceu-me à porta uma gata esfomeada e perdida, mas linda de morrer. Alberguei-a e em pouco tempo ela pôs-se nos trinques. Tinha um belo pedigree.
Mas caíu de amores por um gato preto da vizinhança. Digamos que foi uma lady caída na galderice. Acontece. Um belo dia, ao som das cantigas do Frei Hermano, aconchegada num lençol que fazia resguardo a um cobertor fofo, pôs no mundo sete gatinhos. Um mais bonito do que o outro. Havia um gatinho todo negro, de bela musculatura, a quem chamei Matateu. Esse foi para Hamilton, para uns portugueses que vivem nessa cidade a caminho das cataratas de Niagara. E os outros, por igual, ficaram em casas portuguesas. Menos a lady, que por via das dúvidas mandei esterilizar, e uma filhota tal qual ela, pareciam duas gotas de água, que corria ao chamado de Mariana. Morreram velhinhas e eram um encanto. Para não perder o treino, depois de as perder, fiquei com um persa todo negro, de fuça achatada, olhos amendoados amarelos. É o Tobias, mais conhecido aqui no prédio do que o tremoço em romaria. Já veio baptizado, se não tinha sido Matateu.
Mas basta de prosa felina.
Vamos ao Baptista Bastos, o impagável BB, esse comuna tão engraçado. Dois ou três dias depois da abrilada, a quente, o Artur Agostinho (que dali a pouco era preso e saneado) entrevistou o BB. Quando lhe perguntou que recordação política do passado era mais viva na sua memória, o BB, impante, definitivo, declarou que era a guerra das Astúrias. A cara do Artur Agostinho, perdido de riso, era de antologia. E trinta anos depois, eu ainda me rio com gosto deste comuna de lacinho que se lembrava do que não viu porque, quando muito, estava na barriga da mãe. O que um camarada faz pelo curriculum...
Fernanda Leitão